Paulistano sonha com metrô e mal tem calçada para caminhar
Moradores de São Paulo enfrentam calçadas estreitas e cheias de buracos e obstáculos em bairros onde há promessa de, um dia, chegar o metrô
atualizado
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São Paulo — Moradores de bairros da periferia de São Paulo sonham com a chegada do metrô, mas não têm o sequer a calçadas apropriadas para se deslocar diariamente. O Metrópoles foi a bairros onde a pesquisa Origem-Destino, divulgada nesta semana, mostra que a caminhada é a principal forma de deslocamento e viu inúmeros obstáculos para quem se aventura a pé.
A Brasilândia já está há pelo menos cinco anos à espera da Linha 6-Laranja, construída por meio de parceria público-privada entre o governo estadual, sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a concessionária espanhola Acciona. Não por acaso, moradores do bairro penam tanto para chegar aos trilhos que o metrô é o modo principal em apenas 2,6% das viagens iniciadas por lá.
Não tem refresco nem para quem tenta resolver a vida na caminhada. Embora 33,8% das viagens tenham como principal modalidade a categoria “a pé”, as calçadas são cheias de buracos, degraus e irregularidades. Isso quando existem. O problema se expande pelas redondezas que compõem uma “grande Brasilândia”, como o Jardim Damasceno (41,3% das viagens a pé) e a Vila Souza (46%).
Na Avenida Deputado Cantídio Sampaio, há trechos onde o pedestre é obrigado a andar à beira do asfalto, porque não tem calçada. “É difícil, arriscado ser atropelado. Ônibus ando quase em cima da gente, carro, moto”, diz o pedreiro Ricardo Antonio Miranda, 43 anos, com quem a reportagem conversou na última quarta-feira (12/2).
A impressão é compartilhada pela consultora de beleza Vanessa Aparecida Costa, 42 anos, que também caminhava com a filha pela Cantídio. “Na verdade, nem tem calçada. Tem que vir pela rua para conseguir caminhar”, disse.
Nas proximidades do canteiro de obras da futura estação Brasilândia, na Linha 6-Laranja, na Estrada do Sabão, a falta de calçadas dá mostras de que não basta o metrô chegar ao bairro para que a população tenha mais conforto em seus deslocamentos.
“Esse pedaço aqui é complicado, porque a gente tem que ar pela rua. Como aqui é uma avenida, em mão dupla, a gente tem que ter cuidado com os carros”, diz a auxiliar técnica de educação Débora Mara Soares, 60 anos.
Outros bairros que também anseiam pelo transporte de massa, como a região da Cidade Tiradentes, no aguardo da Linha 15-Prata desde 2014, e o Jardim Ângela, esperando a expansão da Linha 5-Lilás, também têm calçadas precárias. No primeiro, as caminhadas são 47,96% das viagens. No segundo, 37,3%.
Obstáculos
Não são apenas os bairros que esperam por transporte de alta e média capacidade que oferecem dificuldades para quem pretende caminhar.
O Lajeado, na zona leste, está relativamente próximo da Linha 10-Coral, da TM, e aparece na pesquisa origem-destino do Metrô entre as regiões onde a maior parte dos deslocamentos cotidianos ocorrem a pé.
Morador do bairro há 30 anos, o analista de help desk Vanderlei Campos, de 59 anos, usa bota ortopédica, bengala e tenta se equilibrar pelas calçadas estreitas e cheias de obstáculo.
No Lajeado, 55,7% das viagens têm a categoria “a pé” como a principal entre as formas de deslocamento. “As calçadas são bem estreitas e em declive. A gente tem que se adaptar à realidade”, afirma Vanderlei. Ele conversou com o Metrópoles enquanto tentava caminhar pelo início da Rua Santa Etelvina, uma das principais do bairro.
Segundo o analista de help desk, a situação se estende por outras regiões da capital paulista. “Para a gente que tem dificuldade motora, a maioria das calçadas está irregular. Encontro dificuldade em todo o lugar que vou. Imagina se usasse cadeira de rodas, e não bengala? Teria que ir pela rua, porque a calçada é inviável”, diz.
Na vizinha Guaianases (a pé é o principal modo em 39% das viagens), a situação das calçadas também é precária, mesmo em vias movimentadas, como a Avenida Saturnino Pereira. Foi lá que o Metrópoles encontrou a dona de casa Maria Isaura Souza Silva, 88 anos, tentando vencer os obstáculos de uma calçada estreita e destruída, com bengala em uma mão e uma sombrinha em outra.
“Já quebrei até a perna. É por isso que estou usando isso aqui, ó [mostra a bengala]. As calçadas não valem nada. Não tem prefeito, não tem prefeitura, não tem nada”, diz.
E o metrô?
A 6-Laranja chama para si o nome de linha universitária pelo fato de, no futuro, ter seus trens ando por várias faculdades entre a Brasilândia e a Estação São Joaquim, na região central.
A estudante Isabele Moreira, 19 anos, tinha idade para estar na creche quando surgiram os primeiros rumores de que as obras da Linha 6 iriam começar, pelos idos de 2010. Uma década e meia depois, ela já cursa estética, na Lapa, e lamenta ainda não dispor do metrô em seus deslocamentos.
“O ônibus que pego para ir à faculdade não a tanto. Às vezes, chego no ponto às 17h e fico até 17h30 ou 17h40 esperando vir. Então, acredito que, com o metrô, iria melhorar bastante, porque teria mais fácil o e seria mais rápido”, diz.
Isabele cita ainda que o metrô não ajudaria apenas no caminho entre casa e faculdade, mas também em outras atividades do dia a dia. “Todo caminho que a gente venha a fazer para fora da Brasilândia demora mais de uma hora”, diz.
O que dizem prefeitura e governo de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), diz que foi realizada a manutenção de 1.046.685 metros quadrados de calçadas entre janeiro de 2021 e dezembro de 2024, por meio do Plano Emergencial de Calçadas (PEC). As rotas definidas priorizaram calçadas com grande fluxo de pedestres e na proximidade de terminais de ônibus, escolas e hospitais, ruas de comércios e pontos turísticos que apresentavam imperfeições, como desníveis e buracos.
“Quanto à fiscalização, em 2024, foram 3.431 multas e notificações orientativas sobre o eio aplicadas na cidade de São Paulo, totalizando R$ 7.093.083,09. Desse número, 375 multas e notificações foram nas Subprefeituras Campo Limpo, Freguesia/Brasilândia, Guaianases, Pirituba/Jaraguá e São Mateus, em seus respectivos distritos, atendendo às solicitações dos munícipes recebidas através do Portal 156”, diz, em nota.
Segundo a prefeitura, os endereços citados pela reportagem serão fiscalizados pelas subprefeituras das regiões. “É importante ressaltar que a manutenção e a adequação das calçadas particulares, conforme dispõe a legislação, são de responsabilidade do proprietário do imóvel”, diz.
O governo estadual afirma, em relação à Linha 6-Laranja, que as obras seguem o cronograma definido pela atual gestão e, no fim de 2026, será entregue o primeiro trecho, que ligará a Brasilândia, na zona norte, à Estação Perdizes, na zona oeste de São Paulo.
“Já em 2027, a linha será totalmente concluída, chegando à Estação São Joaquim, no centro de São Paulo. Ao todo, o novo ramal beneficiará mais de 630 mil ageiros diariamente e todo percurso poderá ser realizado em até 23 minutos”, diz.