Trump deve frustrar investimento da indústria no Brasil, diz Anfavea
Com tarifaço do republicano, deve haver excesso de produção de carros em vários países, como o México. Veículos podem vir para o Brasil
atualizado
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A indústria automobilística global corre o risco de ser o setor mais afetado pelas tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – notadamente, contra o México e o Canadá. O segmento pode sofrer uma desestruturação, com consequências negativas para a maioria de seus integrantes.
“No Brasil, a indústria deve perder investimentos”, diz Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa as principais montadoras de carros do Brasil. Como e por que essa queda de aportes vai ocorrer é o que Lima Leite explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.
O senhor diz que uma das consequências do tarifaço de Trump para a indústria automotiva no Brasil será a queda de investimentos. Por quê?
Primeiro, temos de pensar no seguinte: os Estados Unidos aram nos últimos anos por um forte processo de desindustrialização. Várias montadoras fizeram investimentos fora do país, principalmente no México. Com isso, hoje, 76% da produção mexicana do setor é destinada aos EUA. Os mexicanos exportam 3,2 milhões de veículos para os americanos por ano (toda a produção do Brasil somou 2,5 milhões em 2024). As tarifas vão reduzir essas exportações e vão sobrar veículos no México.
E essa sobra pode ser direcionada para o Brasil?
Exato. E o Brasil tem um acordo de livre comércio com o México. E os mexicanos podem tentar colocar seus produtos aqui com alíquota zero. Eles têm condições de fazer o mesmo na Argentina, que é um mercado importante para nós. Esse tipo de mudança alteraria o cenário do setor e tende a reprimir investimentos antes previstos no Brasil. Mas esse é só um exemplo.
Quais os outros exemplos?
O Trump está exercendo forte pressão para que as empresas do setor voltem a produzir nos EUA. Isso também pode redirecionar investimentos. As montadoras vão ter de fazer aportes lá. Isso também deve acentuar o excesso de produção no México.
O mercado americano, ao menos num primeiro momento, também vai sofrer com as tarifas?
Existe a sinalização de que um milhão de veículos deixarão de ser vendidos nos Estados Unidos por causa das novas tarifas. O custo do carro vai aumentar no mercado americano entre US$ 3 mil (quase R$ 18 mil) e US$ 12 mil (R$ 71 mil).
Ou seja, com esse excesso de produção, as montadoras no Brasil vão enfrentar uma concorrência maior?
Sim. E muitos investimentos que seriam feitos no Brasil podem deixar de ser necessários. Por que a montadora vai investir aqui se pode redirecionar o excesso de produção que tem no México, por exemplo, para o mercado brasileiro? E note-se que o custo de produção da indústria mexicana é 15% inferior ao do Brasil.
Por que esse custo é maior no Brasil?
Impostos, burocracia, o “custo o Brasil”, enfim. Dei o exemplo do México, mas existem outros países que vão estar na mesma situação. A Coreia do Sul é um deles. Os sul-coreanos exportam 1,6 milhão de veículos para os EUA por ano. Isso vai diminuir e vai sobrar carro por lá também. O mesmo se aplica ao Canadá, ao Japão… Haverá um excesso de produção global, que aumenta a capacidade ociosa das fábricas.
Os investimentos que podem ser comprometidos foram os mesmos anunciados recentemente pelas montadoras?
Sim. As montadoras anunciaram investimentos de 130 bilhões no Brasil até 2030 e o setor de autopeças divulgou outros R$ 50 bilhões entre 2024 e 2028.
O senhor tem ideia de quanto pode ser comprometido?
Ainda não sabemos. Isso ainda vai depender de muitas coisas.
E quais as saídas para reduzir o impacto desse problema, caso esse quadro se confirme?
Hoje, o acordo com o México, por exemplo, é de livre comércio. Mas podem ser definidas cotas de importação. Essa seria uma saída. As cotas existiam, mas foram eliminadas pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes (no governo Bolsonaro).
O setor automotivo é um dos mais afetados pelas tarifas de Trump?
Sem dúvida. Uma montadora que atua nos Estados Unidos vai pagar 25% de impostos para importar peças do México e ainda vai ser taxada em 25% para exportar o carro para o Canadá. Aí, você acaba criando uma instabilidade no sistema. Vai ter que realocar sua produção.
Como estão as exportações das montadoras brasileiras?
As exportações cresceram 40% no primeiro trimestre 2025, na comparação com o mesmo período do ano ado. Mas esse aumento ocorreu, basicamente, por causa da Argentina. No ano ado, o mercado argentino estava quase parado. Agora, voltou a crescer. E o Brasil é o principal fornecedor de automóveis para os argentinos.
O setor também pode enfrentar problemas na Argentina, onde o presidente Javier Milei faz críticas constantes ao Mercosul?
Não acredito. Acho que há uma dependência muito grande entre o Brasil e a Argentina. Muitas empresas têm o mesmo CEOs nos dois países. Os investimentos nos nossos setores, nas nossas indústrias, foram feitos de forma complementar.
E a concorrência da China na América Latina?
Em 2013, o Brasil detinha quase 22,5% de participação nas importações da América Latina e a China, 4,6%. Em 2024, a China ou para quase 28% e o Brasil tem pouco menos de 14%.
Mas não há uma incoerência no fato de as montadoras instaladas no Brasil pedirem um aumento de impostos contra os produtos chineses, enquanto as medidas adotadas por Trump também são criticadas?
São coisas diferentes. O Brasil é hoje o país que menos tributa os importados. Nos Estados Unidos, os impostos sobre importados elétricos e híbridos são de mais de 100%. Na Europa, Canadá e na Índia, o percentual é o mesmo. No Brasil, são 18%. Agora, o governo está recompondo a tarifa até 35%, o que ainda é pouco.
E como está o mercado brasileiro em 2025?
Estamos indo bem. Este ano, o mercado inteiro cresceu 7,3% no primeiro trimestre. A produção aumentou 8,5%. Então, devemos fechar o ano com 2,8 milhões de veículos produzidos. Mas o número mágico com o qual trabalhamos é de 3 milhões por ano.
O que seria esse número mágico?
É o que número viabilizaria mais investimentos, saturando nossas fábricas de uma forma mais aceitável. Mas, se os chineses continuarem crescendo, isso vai impactar muito a nossa produção. De todo o crescimento de vendas registrado no primeiro trimestre no Brasil, 61% foram de modelos importados.