Veja mensagens da pressão da Americanas sobre funcionários de bancos
Conversas e delação de Fabio Abrate fizeram a Polícia Federal investigar participação de funcionários de bancos em fraude na Americanas
atualizado
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Mensagens obtidas pela Polícia Federal (PF) durante a investigação do caso Americanas fizeram com que a corporação asse a desconfiar do envolvimento de funcionários de grandes bancos no esquema de fraude na empresa, que levou o Ministério Público Federal (MPF) a denunciar 13 pessoas por organização criminosa.
As conversas mostram a tentativa de cooptação desses funcionários para manipular documentos enviados a auditorias externas e deixar de fora, por exemplo, informações que pudessem impactar a contabilidade da empresa e apontar o rombo nas contas.
As conversas mostram a tentativa de evitar que informações sobre o risco sacado fossem incluídas.
O risco sacado é uma operação normal de empresas que atuam no varejo, em que se faz um empréstimo com um banco para pagar o fornecedor. A empresa, então, ganha condições melhores para gerir seu fluxo de caixa. A fraude nas Americanas consistia em lançar incorretamente essa informação no balanço.

Como desdobramento das apurações, conforme informou a coluna, a PF vai investigar se funcionários do Itaú e do Santander participaram do esquema que resultou no rombo de mais de R$ 20 bilhões na empresa. A apuração, além das mensagens, tem como base a delação de Fabio Abrate.
Ex-diretor financeiro da Americanas, Abrate aparece nas mensagens e assinou um acordo de colaboração com os investigadores.
As suspeitas de que funcionários dos bancos poderiam estar envolvidos veio a partir de mensagens obtidas pela PF durante a investigação.
Um documento da operação, ainda de 2024, mostra uma troca de mensagens entre diretores da companhia no grupo de WhasApp “Auditoria 2016” para tratar de temas sensíveis que envolviam o suposto esquema.
Um dos participantes era Fábio Abrate, ex-diretor financeiro da Americanas. Como informou a coluna de Gabriella Furquim, em sua delação, Abrate afirma que, sem a anuência dos bancos, a fraude contábil na empresa não teria “chegado aonde chegou”.
De acordo com o delator, os funcionários dos bancos, assim como diretores da Americanas, atuaram, de forma intencional, para ocultar do balanço da empresa as dívidas do risco sacado.
Segundo a PF, a “audácia” do grupo criminoso, formado por ex-diretores da varejista, era “tão grande” que chegaram a cooptar funcionários dos bancos para “encobrir as operações de Risco Saco, garantindo, assim, a continuidade das fraudes contábeis e a não identificação pelas auditorias”.
Leia trechos das mensagens
As primeiras mensagens citadas pela PF remontam a 30 de janeiro de 2017, anos antes de a polêmica envolvendo a Americanas vir a público, em 2023.
Uma das primeiras menções a bancos vem de Abrate, que diz que “falou com dois bancos agora novamente” e pede que “Padilha” ligue para ele, possivelmente se referindo ao ex-diretor Carlos Padilha, um dos 13 denunciados pelo MPF.
No dia seguinte, Abrate afirma que está em uma reunião e pede que alguém lhe envie o “modelo da carta do Auditor”. Poucos minutos depois, ele afirma que o “Santander chegou em uma solução”.
Ele, então, manda um “resumo” do que ficou resolvido. “Pequenas alterações na carta que solicita as informações. Basta mandarmos para o banco novamente (LASA e B2W) que teremos o que precisamos. Eles vão alinhar esse procedimento com o Itaú para que os dois façam igualzinho”, escreveu.
Já em 1º de fevereiro, Abrate afirma no grupo que o Santander havia acabado de enviar a “carta”. “Sugiro eles não mandarem para o auditor”, disse, e em seguida pediu para que outras pessoas enviassem o documento.
Padilha comemora, dizendo que Abrate “é o cara”, e continua a discussão sobre quem deveria fazer o envio. Abrate sugere, então, que eles “pilotem aí a melhor forma de fazer”, uma vez que “não pode dar ruído agora no final”.
No mesmo dia, ao longo da conversa, um dos integrantes afirma que o “KPMG [empresa que realizava auditoria externa] está levantando diversos pequenos pontos” e que “não param de alterar folha de ajustes, pedir explicações e documentos”.
Logo abaixo, outra integrante responde: “Realmente tá desesperador, precisamos encerrar”.
“Carla [identificada nas conversas como integrante do KPMG] questionou a demora. Disse que a 1ª versão da carta do Itaú veio incorreta e no dia seguinte conseguimos a correta. Pq essa tá demorando tanto?”, questionou o contato identificado como “Flávia”.
Logo depois, outro integrante do grupo, identificado como “Rodrigo”, afirmou que Carla chegou a pedir uma reunião, mas não quis comentar o assunto. A falta de informações teria deixado a equipe preocupada.
“Preocupante, a cada minuto destas pessoas aí, vai dar problema!!!!”, afirmou o contato identificado como “Christina Nascimento Lasa”.
Minutos depois, Flávia começa a convocar uma reunião, e os integrantes do grupo am a se movimentar para participar.
No dia seguinte, em 2 de fevereiro, Fábio Abrate informa o grupo de que havia falado com o Itaú e que “dois caras precisam aprovar”.
“Um já aprovou e outro não. Nosso gerente vai colocar os dois agora para se falarem. O que aprovou vai precisar convencer o que não aprovou. Quando eu tiver novidades, sinalizo”, escreveu.
“Assunto Azedou”
Mais tarde, no mesmo dia 2 de fevereiro, Abrate afirma no grupo que o “assunto azedou”, dizendo que o Itaú não iria falar diretamente com o auditor, e que enviaria a carta no formato pedido pela companhia para um funcionário da Americanas.
“A ‘nova’ carta será o detalhamento que solicitamos e vai trazer em anexo a carta antiga e fazer referência a ela […] Vamos ter que olhar para todo esse português e palavras e montar o melhor discurso. Agora é a hora. Itaú não é Santander. Assunto azedo muito. Podemos ter efeitos colaterais”, escreveu.
ados dois dias, período em que foi organizada reunião de estratégia em uma sala “blindada”, Abrate volta ao grupo para dizer que estavam “quase lá” e que teriam mais novidades ao longo dos próximos dias. “Falta uma aprovação no Itaú. Tudo indica que receberemos na segunda pela manhã o documento final”.
No dia seguinte, em 5 de fevereiro, Fábio Abrate é novamente questionado sobre uma resposta do Itaú, ao que ele responde que ainda não há novidades. “Enviamos ZAP para o Rudge. Pressão nele”, disse.
Após uma ligação de “Rudge”, cerca de 20 minutos depois de ter enviado a mensagem, Abrate afirma que lhe foi informado que integrantes das alas de produtos e do jurídico estão “desconfortáveis e não querem aprovar sozinhos”.
No dia seguinte, Abrate afirma que o Itaú está com uma “postura péssima”. Sob tensão, outra reunião é agendada entre os participantes do grupo.
“Rezadinha ajuda”
Com sinais de que o esquema poderia ter percalços, no dia 7 de fevereiro, o contato identificado como Christina Lasa pergunta se há alguma novidade sobre o assunto. Padilha, então, responde dizendo que estavam aguardando, mas que uma “rezadinha ajuda…”.
Lasa afirma que “isso já estamos fazendo, mas vamos intensificar”.
No dia 8 de fevereiro, o grupo a a fazer pressão para que Carla, da KPMG, entregue um parecer. “Vamos com tudo! Supervisão adulta nela”, afirmou Abrate.
Às 14h29 do mesmo dia, Flávia envia uma mensagem no grupo dizendo que o parecer foi aprovado e está sendo encaminhado. Na sequência, envia o documento intitulado “auditoria B2W” aos demais, e todos comemoram.
Defesas
Por meio de nota, o Santander afirmou que não possui “ingerência, supervisão ou responsabilidade sobre as demonstrações financeiras da Americanas”.
“A própria companhia informou, em fato relevante de 13/6/2023, que as demonstrações foram fraudadas pela diretoria anterior. O banco sempre informou os saldos das operações da empresa nas cartas de circularização e ao Sistema Central de Risco do Banco Central, que é uma entre as possíveis fontes de auditagem”, diz a nota.
“Sendo assim, o Santander repudia qualquer insinuação contrária à lisura e correção em sua relação com a empresa, reiterando ter sido também vítima das fraudes.”
O Itaú Unibanco negou, por meio de nota, “qualquer participação, direta ou indireta, na fraude contábil que a Americanas sofreu”.
“O banco sempre prestou às auditorias e aos reguladores informações corretas e completas sobre as operações contratadas pela empresa, conforme legislação vigente e melhores práticas de mercado”, diz o banco.
De acordo com o Itaú, os informes enviados às auditorias “sempre alertavam para a existência das operações de risco sacado e da exposição de crédito da companhia aos fornecedores”.
“Os diretores da Americanas envolvidos na operação interagiram com representantes do Itaú no sentido de retirar os alertas, como itiu o ex-diretor Fabio Abrate em seu depoimento. O banco nunca concordou com esse pedido e, diferentemente do que informou Abrate, manteve o texto que sinalizava a exposição da companhia ao risco sacado”, afirma.
Segundo a instituição, as operações de risco sacado foram interrompidas por seis meses por causa dos problemas na Americanas.
“O Itaú reforça que a elaboração das demonstrações financeiras é de responsabilidade única e exclusiva da istração da empresa e repudia qualquer tentativa de responsabilização de terceiros por falhas ou fraudes nessas demonstrações”, conclui a nota.