Trabalho precário em plantio de cana tinha falta d’água e xixi no mato
Falta de água potável, marmita, banheiro e refeitório estão entre as irregularidades encontradas em plantios de cana em SP
atualizado
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São Paulo — Uma força-tarefa identificou condições precárias de trabalho em diferentes plantações de cana-de-açúcar no interior de São Paulo. Dentre as irregularidades, os agentes encontraram falta de água potável e marmita, espaços de trabalho sem banheiro ou refeitório, falta de kit de primeiros socorros e falta de equipamentos de proteção individual (EPIs).
“Uma frente de trabalho fiscalizada durante a operação disponibilizava um sanitário para os trabalhadores, mas ele ficava a uma distância de quase 600 metros dos obreiros, que acabavam fazendo suas necessidades fisiológicas no mato”, pontuou o procurador Marcus Vinícius Gonçalves, coordenador regional da Coordenadoria Regional de Combate ao Trabalho Escravo e Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (Conaete).
A inspeção foi feita pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), e ocorreu entre os dias 18 e 20 de fevereiro.
Os alvos são três usinas e suas empresas terceirizadas que prestam serviços de plantio de cana-de-açúcar (manual e mecanizado) nas regiões de Araçatuba e São José do Rio Preto. No momento da operação, as frentes de trabalho faziam o plantio nas cidades de Ponta Linda, Monte Aprazível , Santo Antônio do Aracanguá, Ubarana, Nipoã, Planalto e Jales.
O Metrópoles perguntou ao MPT quais são as empresas fiscalizadas e aguarda uma resposta.
Veja as irregularidades encontradas
O grupo composto por procuradores, auditores fiscais, defensores públicos e policiais flagrou, principalmente, o descumprimento de normas de saúde e segurança laboral, além de irregularidades na prática de terceirização.
De acordo com o MPT, os fiscais que participaram da ação flagraram:
- Falta de registro em carteira de trabalho;
- Espaços de trabalho sem banheiros, refeitórios e kit de primeiros socorros;
- Falta de EPIs;
- Alojamentos irregulares;
- Trabalhadores sem exames médicos issionais;
- Falta de controle de jornada de trabalho;
- Falta de água potável e marmita;
- Ônibus precários de transporte de trabalhadores sem a devida autorização do Departamento de Estradas de Rodagem (DER);
- Motorista sem habilitação para conduzi-los.
Drone e GPS ajudaram fiscalização
A PRF deslocou para a operação a equipe do Núcleo de Operações Especiais (NOE), que disponibilizou um drone para localizar as frentes de trabalho, as equipes de plantio de cana e maquinários.
Através do sistema GPS, o equipamento também ajudou a medir as distâncias que os trabalhadores precisam percorrer para suprir necessidades básicas, como ir ao banheiro e se alimentar. Foi assim que a força-tarefa identificou o perímetro entre uma frente de trabalho e um sanitário, por exemplo.
“Essa medição só foi possível graças à tecnologia disponibilizada pela equipe da PRF, o que representa mais um reforço para o enfrentamento do trabalho análogo à escravidão e do tráfico de pessoas”, apontou Marcus Vinícius.
Empresas se comprometeram a regularizar condições de trabalho
O MPT e a DPU celebraram quatro termos de ajuste de conduta (TAC) com as empresas fiscalizadas. Elas se comprometeram a manter a regularidade da lei trabalhista, especialmente em relação às regras de saúde e segurança no meio ambiente rural.
Além disso, segundo o MPT, um grupo usineiro celebrou o acordo extrajudicial se comprometendo a cumprir os dispostos na lei da terceirização.
“A operação teve como objetivo combater e prevenir a prática de trabalho escravo contemporâneo, haja vista haver denúncias contra as empresas fiscalizadas. A presença dos parceiros institucionais foi fundamental para viabilizar um trabalho de inteligência e dar maior efetividade para a operação. Outras regiões do estado serão vistoriadas pela força-tarefa”, garantiu o procurador e coordenador da Conaete.
Trabalho escravo
Nos últimos quatro anos, o MPT firmou 1.728 TACs em todo o país para combater o trabalho escravo e o tráfico de pessoas e garantir os direitos de trabalhadores resgatados. No mesmo período, a instituição ajuizou 360 ações civis públicas sobre o tema, informou o próprio ministério.
Apenas em São Paulo foram resgatados 467 trabalhadores em 2024, número maior que 2023, quando foram resgatados 392 trabalhadores, e 2022, com 146 resgatados.
O Metrópoles publicou, recentemente, dois casos ocorridos na capital paulista: o de uma mulher que foi escravizada por um casal por 30 anos, e o de uma babá boliviana de 19 anos que estava há seis meses em cárcere privado em um apartamento de médicos no Morumbi.
No primeiro, o casal que escravizou a mulher por três décadas foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto – pena que pode ser substituída pelo pagamento de quatro salários mínimos a uma entidade beneficente, além de multa e prestação de serviços à comunidade.
No segundo caso, os médicos que teriam escravizado a babá prestaram depoimento no 89º Distrito Policial (DP), do Portal do Morumbi, mas foram liberados. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), a Polícia Civil investiga os patrões e demais testemunhas.