Salário, comissão e escala: veja diálogo de operários da Loira do PCC

São Paulo — O tráfico de drogas rende bilhões em dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC), que usa um modelo empresarial para gerir seus negócios ilegais. Para isso, precisa de recursos humanos, remunerados de acordo com suas funções, dentro da hierarquia estabelecida pelas “sintonias” — espécie de departamentos, instituídos para definir cargos e responsabilidades entre os criminosos da maior facção do país.

Uma conversa entre dois integrantes do PCC, interceptada em 16 setembro de 2021, mostra um pouco desse cotidiano de trabalho.

Ambos compunham a célula chefiada por Letícia de Sousa Bezerra, a Loira do PCC (imagem em destaque), importante liderança na zona sul paulista e de parte da região metropolitana. Ela foi presa, na quarta-feira (19/2), após ficar dois anos foragida da Justiça.

“Ganhar dinheiro?”

“E aí, tá fazendo o que pra ganhar dinheiro”, pergunta Marcelo Almeida Santos no momento em que Diego Siqueira Lima atende a ligação, às 20h32.

Ambos são apontados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) como responsáveis pela distribuição e venda para a Loira — que istrava 29 pontos de comercialização de drogas.

Diego responde ao comparsa que consegue lucrar até R$ 1.200 diários, em uma biqueira (boca de fumo) em São Bernardo do Campo (ABC).

Ele explica para Marcelo que, em uma escala de 12 horas de trabalho — feita entre 8h e 20h — são vendidos, em média, entre R$ 5 mil e R$ 8 mil naquele ponto. O vendedor, “bota no bolso”, 15% de comissão desses valores — R$ 750 e R$ 1.200, respectivamente.

“Os cara até briga pra vender uma caminhada [drogas] cuzão”, ressalta Diego.

O rapaz ainda explica que, durante o dia, as vendas são feitas por dois funcionários e, no período noturno, isso pode ser remanejado para que somente um vendedor fique na biqueira.

De manhã o fluxo de compradores é maior, conforme sugere o diálogo. “É um [traficante] no dinheiro e um na mercadoria irmão, que o bagulho faz até fila, viado”.

Plantão noturno

Por ser mais rentável, pelo fato de haver menos gente para dividir a comissão, o período noturno é disputado e, por isso, escalonado.

“De noite tem um cronograma, tipo, eu peguei essa semana na quarta-feira de noite. Aí, semana que vem, eu pego no sábado, entendeu?”

Na conversa os dois criminosos mencionam algumas das drogas vendidas como “escama” (cocaína com alto teor de pureza), balinha (droga sintética), K2 (maconha sintética), além de lança-perfume.

A célula da Loira do PCC

Letícia de Sousa Bezerra, a Loira do PCC, assumiu o controle das atividades criminosas da célula do PCC, em 2020, controlando as ações criminosas na zona sul da capital paulista e parte do ABC e Grande São Paulo.

Um de seus parceiros de crime, Joelson da Silva, teve o celular apreendido pela polícia, em junho daquele ano.

A quebra do sigilo telemático do aparelho, atrelado ao grampo de números de criminosos — feito com autorização judicial — ajudou a polícia a constatar que essa célula do PCC movimentava, por mês, R$ 2,5 milhões — somente com a venda de drogas.

Ao grupo, do qual foram identificados e investigados 11 membros, também foram atribuídos roubos e, consequentemente, posse de armamento.

O ganho milionário do bando liderado pela Loira consta em tabelas de contabilidade, encontradas no celular de Joelson, nas quais estavam relacionados os lucros de 29 “lojas” — como os criminosos chamam as bocas de fumo onde comercializam maconha, crack, cocaína, drogas K e lança-perfume.

Chamadas de “fexa da sul” (fechamento financeiro das bocas de fumo da zona sul paulistana), as planilhas indicam que somente uma das biqueiras geridas pelo bando da Loira lucrou R$ 44.980, em apenas dois dias.