Paulista ajudou a restaurar órgão da Catedral de Notre-Dame, em Paris
Fechada após incêndio, a igreja será reaberta ao público neste sábado. O instrumento afinado por Luciana Lemes voltará a soar no domingo
atualizado
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São Paulo — Neste domingo (8/12), na missa pública de reinauguração da Catedral de Notre-Dame de Paris, na França, o emblemático órgão do local voltará a soar. Os fiéis ouvirão o som do instrumento pela primeira vez desde o incêndio que atingiu a igreja, em 2019. Isso será possível graças ao trabalho minucioso de uma equipe da qual faz parte a paulista Luciana Lemes, de 29 anos.
A brasileira atuou na restauração e afinação do instrumento — construído a partir do século 15 e que chegou ao tamanho atual no século 18. Na cerimônia histórica, o organista francês Thierry Escaich será o responsável por comandar as notas.
Grande Órgão de Notre-Dame
Com cinco teclados e 8 mil tubos em 115 conjuntos, o Grande Órgão de Notre-Dame foi reconstruído por Aristide Cavaillé-Coll, em 1868. Atualmente, é o maior instrumento musical da França.
Depois de ter resistido à Revolução sa sem danos, o órgão ou pelo incêndio de 2019 sem ser afetado pelo calor ou pela água, mas foi atingido pelo acúmulo de monóxido de chumbo, uma espécie de poeira amarela, nos canos.
Para a restauração, cada tubo, que pode chegar a 10 metros, foi retirado. Depois da desmontagem, as peças foram catalogadas e distribuídas entre três empresas. Em meio à descontaminação da catedral, inclusive, todos os funcionários envolvidos precisaram usar roupas de proteção máxima e aparelhos específicos.
Há três anos radicada na pequena cidade de Malemort-du-Comtat, no sul do país, Luciana ficou hospedada na capital sa durante o processo para participar da recuperação do icônico órgão como empregada de uma empresa especializada.
Como organista — música — e organeira — que faz manutenção —, a paulista foi selecionada, em 2022, para integrar o time de restauração, em diferentes períodos dentro da catedral em obras. Para a brasileira, inclusive, um dos principais desafios foi o barulho no local.
“Dentro da organaria, há vários tipos de artesãos. A sensibilidade que tenho como organista me permite ter um ouvido mais aguçado às necessidades do instrumento. A minha profissão tem uma especialização que me diferencia dos outros: sou organeira tubeira harmonista, ou seja, posso fabricar e restaurar tubos de metal, assim como harmonizá-los e afiná-los”, explica.
Em 2023, Luciana fez parte do time — composto por três pessoas — de restauração da fachada, que contempla os tubos frontais do complexo instrumento.
Neste ano, entre abril e junho, atuou na harmonização. Depois, voltou e ou quase um mês dentro do instrumento para realizar a afinação. “Foi incrível, formidável, fiquei em paz. Já valeu, zerei a vida”, brinca, em entrevista ao Metrópoles. “Estar em Paris restaurando um dos órgãos mais célebres do mundo é como se eu estivesse sonhando algo muito bom”, celebra Luciana.
Para ela, trata-se de uma conquista que pode virar uma inspiração para mostrar que viver de música é possível. “É muito emocionante, sendo brasileira e mulher. É um prêmio mostrar para a criançada, principalmente as meninas”, reconhece.

A organista paulista
A relação de Luciana Lemes com o imponente tipo de instrumento musical começou quando ela tinha 13 anos e estudava piano, em Lorena, no interior de São Paulo. À época, ela integrava o coral da Catedral Nossa Senhora da Piedade com a mãe.
“O regente me contou que tinham um órgão francês, do fim do século 19, que estava indo ‘às misérias’ e não conseguiam fazer nada para recuperar. As pessoas que poderiam restaurar estavam todas na Europa, seria muito caro. Eu era adolescente e aquilo mexeu muito comigo”, relembra. “Eu vim de uma cidade pequena, de uma família simples. Lutei muito para conseguir estudar o instrumento.”
A partir dessa situação, a jovem quis se aprofundar no caminho da música. Graduou-se na área e chegou a ser organista no Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. O trabalho de conclusão de curso (TCC), inclusive, abordou a trajetória do construtor de órgãos Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899), francês responsável tanto pelo instrumento de Lorena quanto o de Notre-Dame.
A paulista também ou por uma especialização nos Estados Unidos. Ao voltar ao Brasil, trabalhou por quatro meses na Basílica Nossa Senhora do Carmo, no barro Bela Vista, na capital de SP. Em 2021, mudou-se para a França.
Incêndio na Catedral de Notre-Dame
A Catedral de Notre-Dame ficou interditada por mais de cinco anos. Em 15 de abril de 2019, o fogo levou mais de nove horas para ser apagado. O incêndio ocorreu devido a reformas falhas, ausência de extintores e demora na detecção das chamas.