INSS: empresa alvo da PF fraudava áudio de aposentado, diz funcionário
Ex-funcionário conta como eram fabricados áudios fraudulentos de aposentados aceitando associações em empresa de crédito consignado do INSS
atualizado
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Um ex-funcionário de uma empresa que opera crédito consignado relata como eram fabricados áudios fraudulentos para provar que aposentados se filiaram às associações envolvidas na farra dos descontos indevidos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Como funcionava o esquema
- O ex-funcionário, que trabalhou na Balcão das Oportunidades e falou sob condição de anonimato, disse que a empresa pagava por o a dados de aposentados e orientava funcionários a fazerem uma ligação inicial, na qual ofereciam vantagens ou até mesmo o cancelamento de descontos sobre suas aposentadorias.
- Deste áudio, editores da empresa pinçavam somente a voz do cliente confirmando seus dados pessoais e dizendo palavras como “sim”. Na sequência, montavam outra versão, com diálogos em que o atendente oferecia a filiação às associações da farra dos descontos e o aposentado aceitava.
- A empresa é citada nas quebras de sigilo bancário da Polícia Federal (PF), na Operação Sem Desconto, que investiga o esquema bilionário de fraudes sobre aposentados do INSS, revelado pelo Metrópoles.
- O Balcão de Oportunidades recebeu R$ 9 milhões somente da Ambec, uma das principais entidades da farra dos descontos, e tem contratos milionários com a Cebap, segundo documentos obtidos pelo Metrópoles.
- As associações são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de faturar mais de R$ 40 milhões com os descontos e de pagar propinas a diretores do INSS.
Como mostrou o Metrópoles, associações têm feito contratos com correspondentes bancários para angariar novos filiados em meio à venda de crédito. Eles ganham um percentual sobre cada uma das novas filiações às associações da farra.
Essas entidades têm se defendido com o uso de gravações telefônicas nas quais mostram o aposentado assentindo à sua filiação, em contato com um atendente de telemarketing. Juízes têm rechaçado o uso desses áudios, que também não são aceitos pelo INSS como prova de filiação.
O ex-funcionário ouvido pelo Metrópoles afirma que tudo começou há cinco anos, quando um gerente da empresa teria dito que eles não conseguiriam mais clientes para vender a bancos e associações pela maneira convencional.
Ele disse: “Se a gente só pegar os dados que a gente precisa do cliente e editar a gravação telefônica para mostrar que ele aceitou. Se a gente vender mil seguros, trinta ou quarenta pessoas reclamarem, e a gente devolver o dinheiro, não tem problema. Nós vamos estar ganhando em cima 900 e tantos. No fim do ano, se a gente tiver devolvido R$ 100 mil, mesmo assim, vamos ter faturado R$ 10 milhões, entendeu?”, relata.
Venda de informações
Esse funcionário relata que os dados de cada recém-aposentado custam R$ 50 em um mercado subterrâneo de venda de informações pessoais. Em seguida, esses dados são reados a um departamento de telemarketing responsável somente por extrair do aposentado a confirmação de seus dados e palavras que indiquem aceite de alguma proposta.
“Eles ligam e dizem: ‘Boa tarde, senhor. Tudo bem? Meu nome é Fulano de Tal, trabalho com o banco X'”. Nessa ligação, os atendentes estão com os dados todos abertos na tela do computador deles, e prosseguem: “Então, eu estou vendo aqui que o senhor tem vários empréstimos e a gente está fazendo um cadastro para que não aconteçam mais descontos ou para reduzir seu desconto”. É sempre uma alegação de vantagem aos clientes. Em caso de recusa, os atendentes continuam a conversa até o aposentado pelo menos falar a palavra “sim” e confirmar os dados pessoais.
O segundo o, diz o ex-funcionário, ocorre no departamento de edição. “Eles tinham 70 funcionários somente para a edição. Eles gravavam um funcionário que, em vez de falar que tinha sido dito inicialmente ao aposentado, iria aparecer na ligação falando assim: ‘Olha, estou te filiando, você aceita">
Este ex-funcionário conta que o modus operandi da empresa foi adotado por outras companhias de crédito consignado. Também relata que seus donos enriqueceram com o esquema fraudulento. Na capital, o salário usual de atendentes de telemarketing é de até R$ 3 mil, mas funcionários do interior de Minas Gerais do Balcão das Oportunidades chegam a ganhar R$ 9 mil, porque ganham bônus sobre as filiações.
Como mostrou o Metrópoles, o Balcão das Oportunidades tem levado bancos a condenações na Justiça para indenizar idosos. Esses áudios têm sido juntados aos processos judiciais. Isso também ocorre em processos contra associações que pagaram a empresa. Elas têm juntado áudios cujo teor tem sido contestado por aposentados. Em pelo menos um caso, um juiz entendeu haver falsidade na gravação e mandou o caso à Polícia Civil de São Paulo e ao Ministério Público.
Uma das primeiras aposentadas entrevistadas na apuração sobre a farra do INSS, Nilcea Maria dos Santos, que foi vítima de três diferentes descontos, viu um áudio dela ser juntado a um processo pela Ambec. Sua defesa pediu um incidente de falsidade sobre a gravação. A Justiça não abriu, mas condenou a Ambec a indenizá-la.
No áudio, uma mulher com sotaque diferente de Nilcea, que é paulistana, aparece confirmando a filiação. Outra vítima entrevistada pelo Metrópoles, Josefa Ferreira, também obteve a condenação da entidade. Ela reconheceu sua voz no áudio, mas disse ao Metrópoles que jamais aceitou se filiar em um telefonema como aquele.
Outro lado
A defesa de Maurício Camisotti, citado nesta reportagem, alega que as acusaões de envolvimento do empresário em fraudes são falsas. Segundo seus advogados, a Benfix, empresa de Camisotti, foi contratada para istrar “de maneira profissional e moderna as associações e não mantinha negócios com empresas de telemarketing e nem de correspondentes bancários. Esses serviços eram contratados diretamente pelas associações”.
Em nota, Camisotti alega ter contratado “uma das mais respeitadas auditorias internacionais” para analisar os casos em questão e diz que o resultado da checagem será enviado às autoridades para colaborar com as investigações.
Também citada, a Ambec disse ao Metrópoles que o call center e todas as demais atividades de prospecção e afiliação de novos associados foram conduzidas por correspondentes bancários – empresas que seriam prestadoras de serviços, sem vínculo de colaboração com a Ambec.
A associação confirma que a gravação dos telefonemas era usada para comprovação da formal adesão. “A Ambec reafirma que mantém um robusto programa de compliance, destinado a assegurar a lisura de suas atividades e a evitar e coibir práticas de vício de consentimento dentro da associação. A Ambec vedou milhares de novas afiliações que continham suspeitas de vicio de consentimento, inclusive nas gravações telefônicas produzidas por empresas de correspondência”, diz trecho de nota.