“Acha que tem 7 vidas”, disse aluna de medicina sobre transplantada
Estudantes de medicina zombaram de jovem que realizou quatro transplantes de órgão, nove dias antes da paciente morrer
atualizado
Compartilhar notícia

São Paulo – “Essa menina tá achando que tem sete vidas”. Com essa frase, a estudante de medicina Thaís Caldeiras Soares Foffano comentou sobre a então condição clinica da paciente Vitória Chaves da Silva, nove dias antes de a jovem de 26 anos morrer, no Instituto do Coração (Incor) do Hospital Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em 28 de fevereiro.
Como revelado pelo Metrópoles, Thaís e a também estudante de medicina Gabrielli Farias de Souza publicaram um vídeo no TikTok, em 17 de fevereiro, no qual expam Vitória (assista abaixo). O registro foi tirado do ar, na manhã desta terça-feira (8/4).
No vídeo, apesar de não falarem o nome da paciente, as alunas Gabrielli (no vídeo, de cabelos loiros) e Thaís (no vídeo, à dir., de cabelos escuros) mencionam os três transplantes cardíacos, além de indicar quando foram feitos — na infância, adolescência e início da maioridade, o que coincide com o caso de Vitória.
Vídeo:
“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa ar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirmou Thaís.
A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso de Vitória e enviar uma mensagem de texto à família da amiga, no último dia 3, como relatou Giovana Chaves dos Santos, de 19 anos, irmã da paciente.
A exposição revoltou a irmã e a mãe da paciente, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves. Elas decidiram registrar um boletim de ocorrência e acionaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP), além do Incor.
Em nota encaminhada à reportagem, na tarde desta terça, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.
Uso dos medicamentos
Durante a conversa em vídeo, as duas estudantes atribuem a sequência de procedimentos à suposição de que Vitória não teria se cuidado e tomado corretamente os medicamentos após os procedimentos, informação refutada pelas familiares da paciente.
Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes.”
Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.”
Na sequência, Thaís Caldeiras comenta, usando a frase que abre esta reportagem: “Essa menina tá achando que tem sete vidas”.
As duas estudantes se olham e Thaís continua: “Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que já ou três vezes por transplante, recebeu três corações diferentes, pra quem não é da medicina, resumindo, é isso […] e tá com problema ainda. Espero que fique tudo bem com ela, que agora ela realmente tome as medicações e faça o tratamento correto”.
Morte e revolta
Vitória morreu nove dias depois, devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.
Cláudia afirmou ao Metrópoles, nesta terça-feira, que as falas das estudantes são mentirosas. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.
“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na Promotoria da gente pedindo ajuda com medicação, com agem para vir no tratamento. Ela nunca faltou numa consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.
Ela ainda afirmou que a postagem das estudantes resultou em milhares de comentários, grande parte contra Vitória.
A família da paciente quer que as alunas se retratem publicamente, da mesma forma que expam e debocharam da paciente. Nem as estudantes nem suas defesas foram localizadas pelo Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.
Vitória sonhava em ser médica
Quando aguardava pelo terceiro transplante cardíaco, Vitória afirmou que sonhava em ser médica para ajudar as pessoas, da mesma forma que era amparada. Ela chegou a prestar Enem para o curso em 2019, mas não conseguiu a pontuação necessária.
Na ocasião, mesmo sob o efeito de medicações, em um gesto de esforço e gentileza, Vitória ainda enviou um áudio ao Metrópoles no qual afirmou que esperava poder voltar ao convívio familiar e a fazer coisas simples, como tomar banho sozinha e comer refeições caseiras.
“Quero muito ir embora para poder usufruir da minha família. Tenho esperança. Vou ficar bem e ter uma boa recuperação. Peço orações”, disse, na ocasião.