Por que o varejo ainda vai penar para crescer em 2024
Para Claudio Felisoni, da USP e da FIA, gastos elevados do governo vão manter os juros altos, o que tende a punir o setor por um bom tempo
atualizado
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Nesta semana, informações sobre as vendas no varejo surpreenderam negativamente o mercado. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na quinta-feira (14/12), mostraram que elas caíram 0,3% em outubro, ante uma estimativa de alta feita pelos analistas econômicos.
A agravante é que, na avaliação do economista Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), além de professor da FIA Business School da Universidade de São Paulo (USP), o setor também deve penar em 2024. Isso como resultado de uma política de gastos do governo federal, que deve manter os juros altos no país por um bom tempo. A seguir, trechos da entrevista concedida por Felisoni ao Metrópoles.
Por que o senhor acredita que o varejo ainda vai sofrer para crescer em 2024?
Existe no atual cenário econômico um fator positivo. Ele é dado pelos cortes da taxa básica de juros, a Selic, que o Banco Central (BC) está promovendo e deve manter no próximo ano. Não há dúvida que esse tipo de mudança favorece o consumo. O problema é que a taxa de juros no Brasil continua extremamente alta (foi fixada na quarta, 13/12, em 11,75% ao ano). E o reflexo das atuais reduções da Selic lá na ponta, nos juros do comércio, ainda é ínfimo.
O quão pequeno é esse reflexo?
Os juros no comércio eram de 88,83% ao ano, em novembro de 2022. Em novembro de 2023, estavam em 87,76% ao ano, apesar dos cortes da Selic que já haviam sido feitos. Ou seja, a diferença depois das reduções ainda é pequena e vai demorar para se tornar significativa, mesmo que venham novos cortes da Selic.
Quais os fatores que mais complicam a perspectiva do varejo?
Comparo a situação atual da economia com dois indivíduos carregando um móvel pesadíssimo. Se um deles alivia, o outro tem de fazer mais força. Aí, temos um problema. E é isso o que está acontecendo no Brasil.
Quem está carregando esse móvel?
De um lado, é o governo federal, responsável pela política fiscal, que é dada pela relação entre despesas e receitas da istração. Nesse aspecto, ele está sendo leniente. Ou seja, não faz força. Temos ainda um Congresso voraz por verbas, o que também acontecia na gestão Bolsonaro e mostra que a governança do país está em xeque. Assim, sobra para o outro indivíduo ar o peso.
Quem é esse outro carregador?
É o Banco Central, que tem de fazer mais força para manter os juros altos e não permitir que a inflação acelere, já que o governo não está preocupado com os gastos. É por isso que a Selic está tão alta no país e esse é um dos grandes problemas do varejo.
Isso quer dizer que o problema fiscal é uma ameaça para o varejo?
Sim. E a discussão sobre a política fiscal ainda não está colocada no Brasil. Isso fica claro quando o presidente da República diz publicamente que não tem problema ter um pouco mais de dívida. O ex-ministro Delfim Netto, que lidava com um débito externo altíssimo, afirmava que você nunca deve dizer que não vai pagar uma dívida, mesmo que não vá. Isso só complica as coisas. E o mercado já havia precificado a ideia de que o governo não cumpriria a meta de zerar o déficit em 2024. Agora, quando o presidente fala dessa forma, isso tem outro significado.
Qual é o significado?
Significa dizer que o governo não está preocupado em cortar despesas. E, com isso, sinaliza que haverá pressão maior sobre os preços. Assim, o Banco Central vai ter de atuar de maneira mais firme nos juros.
Vai ter de fazer mais força?
Exato. Aliás, a redução da inflação no país deve-se quase exclusivamente à política de aumento da Selic realizada pelo Banco Central. E isso é importante. Não existe nada pior do que uma inflação alta. Ela é um imposto que penaliza de forma mais intensa as pessoas com menor poder aquisitivo, que não conseguem se proteger contra os efeitos deletérios do aumento dos preços.
E o que mais atrapalha o desempenho do varejo brasileiro?
Nesse contexto, a situação das empresas do setor já não é das melhores e, para complicar, elas sofreram um impacto muito grande com o caso da Americanas.
Qual foi o principal impacto do caso Americanas no varejo em geral?
A redução do crédito. Ela afetou as maiores empresas do setor e se espalhou por todo o mercado. Os bancos ficaram assustados com a forma com que o varejo estava conduzindo seus negócios. Mesmo porque a Americanas não era o “Zé da esquina”, mas, sim, uma das maiores operações de varejo brasileiro. Com isso, diminuíram o crédito.
Qual parte do varejo tende a ter uma recuperação mais lenta?
As empresas que vendem o bens de consumo corrente, como alimentos, devem ter menos problemas. Já as que vendem bens duráveis, como geladeiras e TVs, dependem mais de crédito. Nesse caso, a situação é mais delicada.
E qual a perspectiva em relação aos supermercados, por exemplo?
Os supermercados se concentram na venda de alimentos, além de produtos de limpeza e de cuidados pessoais. Nesse caso, quando a economia melhora, o setor demora para avançar. Em compensação, quando a situação piora, ele não cai tanto. Assim, vai se mantendo. No atual cenário, os hipermercados sofrem mais, porque lidam com bens duráveis e ainda estão sofrendo a forte concorrência dos atacarejos (a mistura de atacado com varejo).