Turquia: crise interna coloca futuro político do país em xeque
Principal rival do presidente turco, Imamoglu seria indicado como candidato à próxima eleição presidencial. Ele foi preso na quarta (19/3)
atualizado
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Ácido, pedras, fogos de artifício, coquetéis molotov e até um Pikachu fizeram parte das manifestações contra a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, gerando tensão na Turquia na última semana. A situação piorou após Imamoglu, principal opositor do presidente Recep Tayyip Erdogan, ser suspenso do cargo e preso. Em meio a acusações e divisões partidárias, o país se encontra em um conflito civil e político.
Preso na quarta-feira (19/3), o prefeito de Istambul foi suspenso do cargo pelo Ministério do Interior da Turquia. A detenção desencadeou protestos em massa, resultando em uma onda de manifestações pelo país.
Rival de Erdogan, Imamoglu é o nome do Partido Republicano do Povo (CHP), de orientação social-democrata, para a próxima eleição presidencial.
Entenda
- O prefeito de Istambul teve sua prisão preventiva decretada no mesmo dia em que 1,5 milhão de membros do CHP realizaram uma votação primária, destinada a endossar oficialmente sua candidatura à presidência.
- O prefeito de Istambul é o único candidato do partido previsto para disputar as eleições presidenciais de 2028, contra o presidente atual.
- No entanto, Imamoglu foi acusado de registro ilegal de dados pessoais, suborno, fraude em licitações e apoio à organização terrorista, devido a um acordo eleitoral entre o CHP e um partido pró-curdo que as autoridades acusam de ter vínculos com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista por Ancara, capital da Turquia.
- Diante dessas acusações, o prefeito foi preso e teve seu cargo suspenso pelo Ministério do Interior da Turquia, desencadeando grandes manifestações no país e reduzindo suas chances de candidatura nas eleições de 2028.
As manifestações ocorreram para impedir que Imamoglu permanecesse na prisão. A oposição acredita que as acusações foram fabricadas para afastar o principal adversário de Erdogan da política.
Nas últimas pesquisas de intenção de voto, Imamoglu apareceu à frente de Erdogan, que governa a Turquia desde 2014. O presidente atingiu o limite de dois mandatos como chefe do Executivo e só poderá concorrer às eleições de 2028 se alterar a Constituição do país ou convocar eleições antecipadas.
O partido CHP possui 134 assentos no Parlamento, enquanto o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, conta com 272. Nas eleições locais de março de 2024, o CHP venceu em 35 das 81 capitais da Turquia, 11 a mais que o AKP, conquistando a maioria das grandes cidades.
Manifestações
O CHP convocou seus membros a se manifestarem em frente à prefeitura de Istambul, onde cerca de 50 mil pessoas se reuniram para exigir a libertação do prefeito. Os protestos começaram no dia da prisão de Imamoglu, em 19 de março, e se estenderam ao longo da semana ada.
Veja:
Ao todo, mais de mil pessoas foram detidas. Dessas, 260 ficaram presas, 468 receberam medidas de controle judicial e 489 foram liberadas, enquanto os processos de outras 662 ainda estão em andamento. Segundo o ministro do Interior da Turquia, Ali Yerlikaya, entre os detidos há indivíduos com vínculos com 12 organizações terroristas diferentes.
Imamoglu pediu à nação que resista ao que ele chamou de “golpe contra a democracia”.
Monique Sochaczewski, professora de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), explicou ao Metrópoles que, desde a eleição ada, Imamoglu já era cogitado como o “único candidato contrário a Erdogan que poderia vencê-lo”, e que era uma questão de tempo para o presidente ir “para cima” dele.
“O contexto eleitoral interno na realidade tem a ver com uma tentativa do Erdogan de mudar mais uma vez a legislação para que ele possa concorrer a um terceiro mandato como presidente. Então, muitos falam que ele está querendo ar essa nova legislação no parlamento e ficar no poder até, como ele mesmo falou, ir para o túmulo”, analisa Sochaczewski.
A especialista explica que, no contexto interno da Turquia, há de se levar em “consideração o contexto regional e extra-regional, o governo Trump [Presidente dos Estados Unidos] e a Europa preocupada com guerra, com ameaça russa”.
“Ele [Erdogan] sentiu ali que, talvez, essa fosse uma janela de oportunidade de dobrar a aposta”.
A primeira ação do presidente contra o opositor, segundo Sochaczewski, era de retirar o título de graduação de Imamoglu, porque essa é uma condição para que ele fosse candidato.
“Ele [Imamoglu] é muito carismático, muito competente. Apesar dele ser do CHP, de Ataturk [fundador da Turquia moderna], o partido mais republicano, nacionalista, ele vem de uma família religiosa, do Mar Negro”, conta a professora.
Sochaczewski também destaca que, ao atuar como mediadora entre a Rússia e a Ucrânia, a Turquia se posiciona dentro de uma mesma “liga autoritária internacional” com o presidente russo, Vladimir Putin.
Governo autoritário
Alberto do Amaral, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), detalhou ao Metrópoles que o aumento autoritário na Turquia “continua a se esboçar nos próximos anos”.
“A Turquia é hoje um governo autocrático, é um governo que possui eleições, mas oprime fortemente os seus opositores”, destaca o professor.
Amaral conta que isso mostra uma “tendência de continuidade do sistema político e de repressão contínua a todos os opositores”.
Segundo ele, essa é uma das atitudes que evidenciam o fortalecimento da autocracia na Turquia e a repressão a todos aqueles que tentam levantar suas vozes contra o governo de Istambul.