EUA: qual será o futuro do Partido Democrata após múltiplas derrotas
As eleições de 2024 levaram a um cenário político desfavorável para o Partido Democrata, que perdeu a presidência e a maioria no Parlamento
atualizado
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As eleições deste ano nos Estados Unidos mostraram um cenário político complicado para o Partido Democrata, do atual presidente Joe Biden. Candidata à sucessão, a democrata Kamala Harris perdeu a presidência para o republicano Donald Trump. Somado a isso, os democratas também perderam a maioria dos assentos na Câmara e no Senado.
O internacionalista e doutorando em relações internacionais Emanuel Assis explica que o cenário atual do partido, tanto para os setores moderados como os mais à esquerda na sigla, é de crise.
Ele ressalta que há a percepção de que o partido está enfrentando uma crise de legitimidade e representatividade entre o eleitorado norte-americano e isso acaba refletindo no número de cadeiras no legislativo, nos governos estaduais, nas eleições para governos estaduais e, também, na eleição presidencial.
Segundo o especialista, a eleição de Donald Trump mostra “uma força muito grande do movimento trumpista e, ao mesmo tempo, uma debilidade do Partido Democrata em se apresentar como uma alternativa política viável para governar os Estados Unidos”.
Emanuel Assis lembra que, em fevereiro de 2025, será eleito o novo presidente do Comitê Nacional Democrata, que seria o equivalente ao presidente da sigla. Na pauta de discussões, está justamente o futuro do partido. Ele destaca, também, que o primeiro o é buscar entender o eleitorado.
“Eles estão se concentrando nesse debate nessas últimas semanas e vão continuar se concentrando nas próximas para entender qual o futuro do partido que eles querem, qual é a agenda que o partido deve adotar nesse novo período e onde eles vão ter minoria nas duas casas. E, de alguma maneira, vão enfrentar uma crise de legitimidade e representatividade nos próximos anos”, explica Emanuel.
Segundo o especialista, os levantamentos feitos pelo próprio partido mostram que os principais pontos fracos dos democratas são “a classe média, principalmente, a classe trabalhadora no contexto mais geral, a classe média baixa, a população mais pobre também, a população negra, a classe trabalhadora no geral”. Ou seja, eles se distanciaram da base que os sustentou por muitos anos.
Emanuel relembra uma pesquisa recente que mostrou que 49% dos eleitores que se identificam como democratas estão pessimistas com o futuro do partido.
“É a porcentagem mais alta nos últimos 8 anos, é uma porcentagem muito alta de pessoas assumidamente democratas que estão pessimistas com o futuro do partido e 51% estão otimistas ou pouco otimistas. Então, é um reflexo de uma divisão que vem acontecendo dentro do Partido Democrata e que precisa ser resolvida”, destaca.
Tem se tornado consenso, diz o especialista, o fato de que o partido precisa investir na reconstrução de “pontes com a classe trabalhadora”. Além disso, seria necessário “recuperar a base da classe trabalhadora, da classe média norte-americana, que eles tiveram por muitos anos e de quem foram se afastando gradualmente ao longo desses últimos anos, principalmente após a crise de 2008”.
“O Partido Democrata tem falado de saúde, emprego, educação e economia, principalmente. Estão falando de agendas universais que conseguem atravessar qualquer grupo dentro da classe trabalhadora norte-americana que, assim como qualquer classe trabalhadora em qualquer lugar do mundo, é uma classe trabalhadora heterogênea: tem negros, LGBTs, mulheres, pessoas jovens e essas pessoas por muito tempo foram um baluarte”, explica o especialista.
Segundo o internacionalista, a retórica adotada pelo partido desde 2016, com a ascensão do trumpismo, é a de “nós contra eles”, de “nós somos a democracia e eles são os os antidemocráticos”. Mas isso não funcionou.
“É uma defesa de uma democracia vaga, que não tem agenda, que não tem propósito, que não tem função nenhuma concreta. Fica uma coisa muito abstrata de os inimigos estão ali e nós vamos combatê-los, mas o como farão isso, não é discutido.”
O que o Partido Democrata pode fazer
Emanuel Assis destaca que o Partido Democrata precisa se deslocar do campo de batalha “contra Trump” e focar na construção de uma agenda política concreta e propositiva, “que dialogue com o amplo setor da classe trabalhadora e consiga projetar uma alternativa política que conquiste novamente a confiança do eleitorado norte-americano”.
E, para o futuro, Assis deixa uma previsão. “Nós, analistas políticos de Estados Unidos, acreditamos que o próximo nome do partido vai sair de um dos governadores democratas nesses próximos anos, já que a Kamala Harris não conseguiu se engajar como uma figura proeminente para disputar o cargo executivo dos Estados Unidos”.
A principal estratégia, aponta o especialista, é focar nos governos estaduais e “fazer oposição ao Trump, para a não aplicação das agendas ultraconservadoras, tentar barrar o máximo possível essas agendas dentro dos seus estados”. Segundo o especialista, a atuação desses governadores servirá “como uma pré-campanha, mostrando uma agenda diferente da que foi aplicada nos últimos anos, resgatando esses valores mais universais de uma agenda mais focada e pautada em pautas mais universais da classe trabalhadora, ou seja, economia, educação, saúde, infraestrutura”.
Outro ponto que deve ser focalizado pelos Democratas, segundo o especialista, é a questão ambiental, já que a ação estadual vai ser muito observada. Assis conclui dizendo que “as eleições de meio de mandato de 2026 vão ser o primeiro teste do partido pós-2024, o primeiro reflexo para entender se o partido está ou não está no caminho certo de reconstrução das suas agendas, das suas estratégias políticas, das suas figuras”.