Chefs dão dicas para fazer as receitas mais bombadas da quarentena
Da simplicidade do arroz branco soltinho ao complexo pão de fermentação natural, muita gente está se arriscando pela primeira vez na cozinha
atualizado
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Quem não se aventurou pela cozinha durante o isolamento social? A nova rotina em tempos de pandemia levou muita gente a aprender a cozinhar – ou, no caso dos mais experientes, a tentar aquela receita que não encontrava tempo ou oportunidade para fazer. Entre sucessos e pratos carbonizados, alguns preparos são muito comuns entre os isolados: há até quem diga que quem ainda não fez bolo de cenoura está fazendo a quarentena errado.
Além dos bolos, receitas como pães, risotos, cookies e macarrão são figurinhas carimbadas entre as receitas mais populares. O Metrópoles consultou cozinheiros e padeiros de Brasília e reuniu algumas dicas desses preparos. Veja:
Quer pão?
Segundo o Google Trends, o termo “receita pão” teve uma ascensão acelerada na semana entre 17 e 22 de março, período em que boa parte da população entrou em isolamento social. O preparo caseiro é desafiador, mas quem está trancado em casa e com tempo livre pode se aventurar: do pão com fermento biológico ao levain, o alimento virou tendência durante a quarentena.
Curiosamente, tempo é um dos ingredientes essenciais do pão – se usado com muita parcimônia, pode fazer a receita desandar. “As pessoas não esperam a fermentação. Qualquer pão, seja ele de fermento biológico ou de levain, tem que esperar o tempo necessário para fermentar. Não pode ter pressa, esse é o grande ensinamento do pão”, comenta Guillaume Petitgas, dono da La Boulangerie.
Outro conselho do padeiro francês é perder o medo de adicionar água à mistura. “Um erro que vejo muito é a pessoa não hidratar a farinha o suficiente. Acho que por conta da meleca que faz, para facilitar, as pessoas que tentam em casa acabam hidratando pouco, chegando a 55% do peso da farinha. Para fazer pão em casa, é preciso usar de 65% a 70% de água em relação ao peso da farinha”, ensina.
Na Civitá, pequena fábrica de pães e torrefação de cafés especiais, a equipe percebeu o aumento de pedidos de um item muito específico do cardápio de delivery: farinha de trigo integral orgânica. A clientela, além de pedir os preparos com levain do menu, ainda está se aventurando com o fermento natural em casa.
“Fazer pão com levain é complicado, exige muito estudo e treino. Todo mundo vai cometer erros no início. A principal dica é observá-lo: ele tem que estar alimentado e é preciso acompanhar o pico de crescimento: assim que ele começar a regredir, você tem que usar”, ensina Mateus Agrelli, um dos sócios da panificadora.
Uma dúvida comum é quanto à farinha: existe um mito de que é imperativo comprar insumos vindos da França ou da Itália. “Escolhendo uma farinha boa, funciona igual. Comparar a marca brasileira com a europeia não é como comparar um Fusca a uma Mercedes. Existem marcas boas que se encontram em mercados”, argumenta Petitgas.
Para um bolo fofinho
Em seu serviço de delivery de estrogonofe, o chef Paulo Tarso incluiu uma sobremesa com gostinho caseiro: bolo de cenoura com calda de brigadeiro. Quem não testou a receita em casa durante a quarentena? O clássico de cozinha de vó figura entre os preparos mais buscados no periodo.
“Bolo é muito simples, mas é muito técnico. Toda fermentação, química ou biológica, está sujeita a erros. O mais comum é a ordem dos ingredientes: o ideal é misturar sempre do mais pesado ao mais leve. O bolo de cenoura, por exemplo, começa batendo a cenoura com o óleo, depois entram os ovos e açúcar. A farinha vem por último e deve ser apenas misturada, se bater demais ela pode desenvolver glúten e deixar o bolo elástico”, lista o cozinheiro, que garante que essa sequência vai fazer com que o bolo fique bem fofinho.
Assim como o pão, respeitar o tempo do bolo também é importante. “O fermento químico é ativado pelo calor: quando vai para o forno, começa a trabalhar, a produzir o gás que levanta o bolo. Esse gás mantém a massa em pé até que ela cozinhe e consiga se sustentar. Se a pessoa abre o forno antes da hora e tira o calor, o gás perde a força, a massa não se sustenta e sola”, explica Paulo, que aconselha dar no mínimo 40 minutos de forno para o bolo assar.
Paulo ainda lembra de mais um erro: esquecer de untar a forma. “O mais comum é ar manteiga e farinha de trigo. Não é o método mais eficaz, mas é uma boa. O ideal é untar a forma com manteiga, abrir um papel manteiga em cima e ar mais manteiga no papel. Vale também ar manteiga, deixar na geladeira para estabilizar, depois mais uma demão de manteiga e farinha”, instrui o chef.
Cookies perfeitos para você
Questionada sobre como fazer o cookie perfeito, Paula Soares, sócia da quituteria Palú, ficou sem jeito. “Vai do gosto de cada um. Para mim, o erro não é no excesso de farinha, mas de manteiga, que resulta num cookie enorme, todo espalhado. Mas quem coloca farinha demais tira umas bolonas do forno”, comenta a cozinheira, que recomenda usar balança para medir os ingredientes ou, na falta dela, copos medidores que salvam as proporções da receita.
“Para fazer um bom cookie, é preciso ter o açúcar mascavo, que dá a crocância. Faz toda a diferença. Mas não tem regra ou proporção, depende do que a pessoa quer usar: se for fazer um cookie de pasta de amendoim, vale colocar mais mascavo que refinado”, descreve. O açúcar demerara pode ser usado, mas o refinado deixa o preparo mais macio, enquanto o mascavo dá um sabor mais marcante à massa.
“Tem quem coloca bicarbonato de sódio e fermento biológico. O bicarbonato serve para dar uma crocância externa, mas acho meio errado isso de usar fermento… Não é bolo, é cookie”, argumenta a doceira.
Outro ponto importante é o cuidado com a temperatura: o ideal é deixar a massa esfriar um pouco na geladeira para que o cookie saia uniforme do forno. Se a ansiedade pelos cookies for maior que a sabedoria de resfriar o preparo, a dica é aquecer o forno antes mesmo de começar a misturar os ingredientes.
“Vale muito fazer as bolinhas de massa e congelar. Se você está em casa e faz uma receita completa, isso rende pelo menos 15 cookies grandes. Se não for comer tudo na hora, dá para congelar a massa crua por até 2 meses”, garante Paula.
Pasta, pasta!
Ovos, farinha e sal: da mistura de três ingredientes, resulta a deliciosa massa fresca. “É um preparo um pouco complexo, mas dá para fazer em casa tranquilamente. Eu errei muito o ponto da massa no começo. Se for fazer uma massa seca, como o fettuccine, a gente tende a deixar úmida demais e na hora de cozinhar, ela gruda. Quando estiver cilindrando ou ando o rolo de macarrão, é bom atentar para isso, ela precisa estar bem sequinha. A massa úmida é melhor para preparos recheados, como a lasanha ou o cannelloni”, explica Ronny Peterson, chef do restaurante Aroma.
“Outra coisa que faz muita diferença é o ovo: é bem melhor usar só a gema, porque além de deixar a massa com uma cor mais viva, ela fica mais saborosa, com mais textura”, comenta o cozinheiro. Para a mistura, é possível usar qualquer farinha encontrada no mercado, mas o chef alerta que a maioria das marcas encontradas nas gôndolas deixam a massa um pouco acinzentada. “Isso acontece porque ela oxida, fica com essa cor. Eu uso sempre farinha tipo 0, que deixa a massa amarela. Mas isso é detalhe de chef de cozinha, pode usar as nacionais”, garante.
Quem temperou o arroz?
Preparo básico na gastronomia brasileira, fazer arroz é, para muitos, automático. Ainda assim, alguns mitos ainda rondam a receita. “O arroz de grão longo não se lava. É como o mito de lavar frango, lavar ovo. O arroz vem pronto na embalagem, fazer isso é como lavar um macarrão seco. Você acaba adicionando líquido no momento errado: arroz é feito com água fervendo, justamente para não ter uma quebra de temperatura”, explica a cozinheira e confeiteira Cyntia Ashiuchi.
O arroz japonês, diferentemente do agulha, deve ser lavado em água corrente até sair límpido. Em seguida, é adicionado à a com água quente: o peso do líquido deve ser 1,8 vezes o do arroz. “Quando ele absorver todo o líquido, pode tampar, desligar o fogo e deixar terminar de cozinhar no próprio vapor, de 10 a 15 minutos. Terminar a cocção no calor da a ajuda a chegar à textura correta”, comenta.
Cyntia vê muita similaridade entre o preparo do arroz agulha e das variedades utilizadas no risoto – é preciso fritar o grão, refogar no tempero, usar vinho branco e, em seguida, caldo ou água quente. “O truque se chama ‘braço’. Tem que ir adicionando a base líquida quente até chegar à textura desejada, sempre mexendo o braço. A manteiga e o parmesão são tradicionais, mas depende do que quer fazer. Se eu faço um risoto com tomatinhos, prefiro o azeite. Tem que ter uma gordura na finalização, e o queijo dá consistência”, ensina.