Festival de Brasília: leia crítica do filme baiano Ilha
Longa de Glenda Nicácio e Ary Rosa foi exibido junto com o curta brasiliense Aulas que Matei na noite de quarta (19/9) na mostra principal
atualizado
Compartilhar notícia

Muito bem recebido pelo público do 51º Festival de Brasília, o longa Ilha (BA), da dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa (Café com Canela, eleito melhor filme pelo júri popular ano ado), continuou as atividades da mostra competitiva na noite desta quarta (19/9), no Cine Brasília. Antes, ou o curta Aulas que Matei (DF), produção dos diretores Amanda Devulsky e Pedro B. Garcia.
Um ano após vencerem o prêmio de melhor filme pelo júri popular no festival, Nicácio e Rosa voltam ao evento com uma obra sobre cinema. Na trama, um bandido cinéfilo sequestra um diretor para que ele filme sua história. O título brasiliense envolve o cotidiano de uma escola pública na periferia do DF afetado pela presença de policiais e pelo sumiço de um aluno.
Leia críticas dos filmes exibidos na noite de quarta (19/9) no Festival de Brasília:
Ilha (BA), de Glenda Nicácio e Ary Rosa: um cinema que representa e fabula
A dupla de Café com Canela retorna a Brasília com um “filme dedicado aos meninos e meninas que escolheram o cinema, mas não foram escolhidos por ele”, como diz a cartela encaixada antes dos créditos finais. Uma obra que ousa transitar entre discurso de representatividade (negra, gay e regional) e intensa carga dramática ligada ao próprio fazer cinematográfico.
Ilha abre com o primeiro plano do filme pensado por Emerson (Renan Motta), um jovem negro da periferia da região. Henrique (Aldri Anunciação), famoso e premiado cineasta baiano, aparece encapuzado. Logo descobre que foi sequestrado para registrar a história de um “bandido que fala de simbolismo e escolhas fílmicas”. Ele assim define seu captor. Se não topar realizar o projeto, leva uma bala na cabeça.
Nicácio e Rosa desenvolvem aqui seu apreço por planos longos e mui expressivos, sempre valorizando os corpos dos atores e suas movimentações em cena. Além disso, melhoram aspectos de encenação que parecia por vezes prolixa em Café.
Os cineastas mostram uma capacidade incrível de modular de um tom subjetivo, delirante e espirituoso – “você acha que eu vivo de quê? de cinema?”, ironiza Emerson quando perguntado por Henrique se tem um beque para dividir – para algo mais trágico e formalista. Os testes de elenco são impagáveis, por exemplo, e há espaço até uma delicada cena musical.
Henrique ganha uma câmera. É dele a parte ficcional da vida de Emerson. Toda a seção documental fica a cargo de Thacle (Thacle de Souza), operador de câmera/diretor de fotografia. O que começa como um projeto forçado por um criminoso aos poucos ganha contornos de relacionamento e amizade entre personagem/ator e realizador, ambos gays.
A história de Emerson é como a de muitos outros jovens marginalizados. Viu a mãe (Valdinéia Soriano) ser oprimida pelo pai (Sérgio Laurentino), violento e homofóbico. Fez escolhas erradas. Mas há nele uma pulsão pelo criativo, pelo artístico. Uma necessidade de fabular sobre si mesmo e sua invisibilidade.
Enquanto a dramatização da infância do sequestrador nem sempre alcança os resultados desejados, tudo que envolve a relação entre os personagens principais parece autêntico e bem resolvido. O único momento em que vemos Thacle é de costas, saindo às pressas de uma briga que evolui para uma cena de sexo. A câmera é deixada no chão e filma os pés de Emerson e Henrique. Após o gozo, eles se deitam cansados na terra e os vemos em primeiro plano.
O desfecho talvez amarre a história de um jeito funcional, mas um tantinho excessivo. De qualquer maneira, este é um filme com a cara do Festival de Brasília: representativo e intensamente apaixonado pelo cinema.
Avaliação: Ótimo
Aulas que Matei (DF), de Amanda Devulsky e Pedro B. Garcia: uma escola periférica
Um dia na vida de alunos de uma escola na periferia do Distrito Federal. O olhar de Devulsky e Garcia privilegia planos abertos, fornecendo um senso de coletividade espacial às cenas.
Da chamada ao recreio. Da indagação do professor (Marcus Curvelo, do curta Mamata, vencedor dos Candangos de ator e montagem no festival ado) sobre um aluno ausente à conversa de um estudante com a mãe pelo celular.
O filme ganha tensão quando dois policiais visitam a escola fazendo revista em todas as salas. Talvez à procura do estudante que não vem mais às aulas. Nos momentos finais, há uma filiação ao fantástico quando um PM levita e carteiras escolares surgem numa rua – primeiro dispostas ordeiramente, depois empilhadas. Seria um curta mais certeiro se fosse mais enxuto.
Avaliação: Regular