Fenômeno de “mães” de bebês reborn levanta debate e polêmicas: entenda
Mulheres estão viralizando nas redes sociais ao mostrar uma rotina de cuidados com bebês reborn, bonecos de silicone que imitam crianças
atualizado
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Trocar fralda, dar mamadeira, montar enxoval e ear de carrinho são cenas comuns da maternidade. Porém, nas redes sociais, esses gestos têm outros protagonistas além de crianças: os bebês reborn. Bonecos ultrarrealistas de silicone, que imitam recém-nascidos em cada detalhe, se tornaram os “filhos” simbólicos de mulheres adultas que compartilham rotinas de cuidado e afeto na web.
Neste mês, o assunto veio à tona após o padre Fábio de Melo “adotar” uma boneca com Síndrome de Down, como forma de tributo à sua mãe, Ana Maria de Melo, que faleceu em 2021, aos 83 anos. O religioso costumava levar bonecas para presentear a mãe, e agora encontrou uma forma simbólica de manter esse gesto de carinho.
As influenciadoras Nane Reborn e Mylla Reborn estão entre os principais nomes desse fenômeno no Brasil. Com milhares de seguidores, elas compartilham rotinas com seus bonecos. A prática, apesar de gerar polêmica e ser alvo de julgamentos entre os internautas, é vista pelas influenciadoras como uma forma de arte, terapia e trabalho.
Em entrevista ao Metrópoles, Elaine Alves, conhecida como Nane, contou que sua paixão pelos bonecos de silicone é antiga e nasceu de uma forma inusitada.
“Eu comecei a colecionar há 20 anos, depois que vi uma artista entregando um bebê reborn para a Wanessa Camargo, no programa do Gugu. Sempre gostei de bonecas e me encantei com o realismo. Hoje é minha profissão: divulgo a arte, gravo vídeos e vendo os bebês”, conta.
Nane, que também é mãe, estudante de istração e dona de casa, explica que os vídeos são parte de um trabalho e garante que o cuidado com os bonecos é encenação. “A gente grava encenações, porque dá engajamento. Mas ninguém aqui trata como bebê real. Terminou o vídeo, eu guardo no guarda-roupa. É boneca, mas é uma arte muito especial”.
Já Mylla Reborn diz que realizar o sonho de ter um reborn foi uma conquista mais recente. “Sempre quis, mas meus pais não tinham condição. Quando comecei a trabalhar, comprei minha primeira bebê. É algo que representa paz, amor e inocência para mim. Cuido com carinho e respeito”, afirma.
Ela também compartilha vídeos de rotina e encenação, e mesmo com críticas, sente que o impacto do conteúdo é positivo. “Recebo muitas mensagens carinhosas. Tem gente que se sente acolhida, que diz que aquilo acalma”, conta.
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Enquanto há quem ire o cuidado, o capricho e a delicadeza envolvidos, outros apontam incômodo e estranhamento. Vídeos de role play (uma espécie de teatro improvisado) frequentemente despertam duras críticas e até ofensas pessoais.
Maternidade reborn
O universo reborn não se limita à criação de conteúdo. Existe uma indústria por trás dessa arte, liderada por pessoas como Gabriela Tais. Ela confecciona bebês reborn artesanalmente, aplicando camada por camada de tinta, enraizando cabelo fio a fio e montando cada boneco com precisão cirúrgica.
“Não é só trabalho, é emocional. Cada bebê que faço leva um pedacinho de mim”, conta. A entrega simbólica, que ela chama de “adoção”, inclui até um enxoval, como se o boneco estivesse indo para sua nova casa.
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“É emocionante. Muitos clientes compartilham histórias de perda, solidão, ou apenas o desejo de amar. Saber que o meu trabalho pode oferecer conforto é algo que me dá propósito”, diz Gabriela.
Os preços variam entre R$ 3.500 e R$ 15.000, dependendo do realismo e dos materiais. Há desde modelos com silicone até prematuros, que “fazem xixi”.
Impactos da prática
A psicanalista Ana Caroline Martins vê com naturalidade o interesse por esse universo. “Brincar é uma linguagem humana essencial. E não tem idade para acabar, ainda mais quando as pessoas podem fazer disso um trabalho”, diz.
Segundo ela, homens são incentivados socialmente a continuar brincando, com videogames, coleções, esportes, enquanto mulheres raramente tem essa escolha. “Quando mulheres brincam de boneca, isso é visto como infantil ou patológico. Por quê? Por que a nostalgia feminina incomoda mais?”, questiona.
Para Ana, a prática pode até ter relação com desejos inconscientes de cuidado, maternidade ou afeto, mas isso não significa um problema psicológico. “Geralmente, o bebê reborn funciona como um espelho emocional. Representa algo que faltou, que se deseja ou que se ama”, explica.
“Isso só se torna preocupante quando a pessoa se isola completamente do mundo real, o que não é o caso da maioria dessas mulheres”, explica.