Após descoberta de maníaco, medo ronda mulheres nas paradas de ônibus
Advogada e funcionária terceirizada do MEC foi assassinada por Marinésio Olinto, que se ou por loteiro em Planaltina
atualizado
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Mais de meia hora esperando o próximo ônibus depois de um dia inteiro de trabalho. A parada não fica em um lugar seguro e já está escurecendo. Um carro desacelera, buzina, oferece o destino. O preço da agem é o mesmo dos coletivos e a chegada será mais rápida. O motorista é desconhecido, mas o cansaço fala mais alto e a corrida é aceita.
Essa é a rotina de muitas mulheres no Distrito Federal. A prática é tão antiga e parece natural. Ou pelo menos parecia. A morte da advogada Letícia Sousa Curado, 26 anos, provocada pelo cozinheiro Marinésio dos Santos Olinto, 41, que se ou por motorista de lotação, em Planaltina, para atrair, assediar e depois matar a advogada e funcionária terceirizada do Ministério da Educação (MEC), trouxe a insegurança mais uma vez ao holofote.
A questão, no entanto, está longe de ser um problema exclusivo de Planaltina, onde o transporte é precário em muitas áreas. O Metrópoles percorreu paradas de ônibus em outras quatro regiões istrativas e conversou com outras mulheres, que relatam o medo de utilizar esse tipo de meio de locomoção.
É o caso da diarista Ozima Rodrigues, 45. Todos os dias ela sai da QNQ, em Ceilândia, para trabalhar no centro da mesma cidade e ite que era usuária frequente de transportes piratas. “Geralmente, am primeiro que o ônibus, por isso eu pegava, mas também só se o carro estivesse cheio. Depois desses casos, eu não pego mais”, garante.
Ozima é mãe de duas filhas, uma de 16 e outra de 22. Segundo ela, a mais velha trabalhava no MEC com Letícia, o que causou ainda mais temor na família. “Ela chegou me dizendo que conhecia a menina que foi assassinada, ficou muito triste. Agora está todo mundo proibido de pegar lotação lá em casa”, afirma.
A mesma ordem foi dada na residência de Rose Teixeira, 57, no Recanto das Emas. A fabricante de bolos diz que nunca pegou transporte irregular por ser “muito sistemática”. “Já tinha medo antes dos casos do Marinésio, agora que não pego mesmo. Até quando um carro a mais devagar na minha frente eu já assusto”, comenta.
Para ela, este tipo de problema é um reflexo de uma questão ainda maior na sociedade. “Infelizmente está difícil confiar até no vizinho hoje em dia. A gente que é mais velha começa a ficar desconfiada de tudo”, justifica.
No Núcleo Bandeirante, a suspeita é a mesma. A atendente do MEC Juliane Fernandes, 38, diz que nunca entraria em um transporte pirata. “Prefiro ficar duas horas esperando a embarcar no carro de um desconhecido. Eu mesma moro no Guará, aqui perto, e o transporte demora uma eternidade”, reclama.
Já em Samambaia, as amigas Verônica Rodrigues, 23, Joice Mota, 22, e Franciele Ribeiro, 30, preferem andar juntas para pegar o transporte coletivo. “Só de ficar sozinha na parada já dá medo”, afirma Franciele. Verônica é ainda mais radical e diz que até aplicativos de transporte ela evita. “Ficou com medo de pegar algo assim. É muita insegurança”, assegura.
Números são altos
De acordo com levantamento feito pelo (M) Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, de janeiro a julho de 2019, foram 1.106 autos de infração relacionados a transporte pirata no DF. Os números, disponibilizados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), mostram que a maior concentração de flagrantes ocorre entre as 6h e 9h, exatamente no horário de pico: 70,1% do total.
No mapa abaixo, você pode clicar em cada uma das mais de mil ocorrências registradas neste ano e identificar qual o tipo de veículo usado, a data e a hora do delito.
Especialistas culpam o descaso
Para Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública, o ponto a ser debatido deve ser o que leva a população a procurar um transporte tão precário. “Quando se alia uma parada sem segurança nenhuma com ônibus que não se sabe o horário que irá chegar, o espaço para esse tipo de modalidade é aberto”, opina.
O especialista explica que essa situação é uma armadilha em que a mulher não se sente segura nem esperando o ônibus, nem no transporte pirata. “Tudo isso é facilitador para que pessoas desconhecidas, em carros cuja origem também é desconhecida, possam ganhar dinheiro rápido e fácil”, diz.
Já Fabrízio Lara, advogado especialista em segurança pública do Escritório Alcoforado Advogados Associados, afirma que só quando a população se posicionar de maneira forte por melhores condições de transporte a situação poderá ser revertida. “São nada mais do que direitos constitucionais, de um transporte público de qualidade. Não dá para as pessoas saírem de casa e não terem garantia de que vão voltar. É preciso que haja mobilização da sociedade para que o governo tome alguma atitude”, ressalta.
O que diz o governo
Procurada, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) disse, por meio de nota que “alerta sobre o perigo que o ageiro corre ao usar o transporte irregular, já que os veículos utilizados para esse fim não são vistoriados e podem se envolver em acidentes. Além disso, não há como saber se o motorista que presta serviço deste tipo de transporte responde por algum processo criminal, o que acaba colocando em risco a segurança dos ageiros.”
Questionada a respeito das reclamações sobre a demora dos ônibus, a pasta disse que o “Governo do Distrito Federal está atento às demandas da população e destaca que a frota do DF já está sendo renovada. Mais de 230 novos ônibus já foram entregues para os usuários do transporte público no DF.” A secretaria disse também que “fiscaliza diariamente a operação de mais de mil linhas e de aproximadamente 3 mil veículos que compõem a frota do sistema de transporte para garantir a oferta de serviço de qualidade à população do Distrito Federal”.
Já a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) informa que não dispõe de estudo que relacione diretamente a prática de transporte irregular de ageiros a crimes como o do referido caso, ocorrido em Planaltina.
A secretaria ainda afirma que a Polícia Militar realiza operações diárias para reprimir a prática do transporte pirata. “Esse trabalho é feito, também, em conjunto com outros órgãos, como Semob, Departamento de Trânsito do DF (Detran), Departamento de Estradas e Rodagens do DF (DER) e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)”, destaca a SSP-DF.
De acordo com o Detran, nos sete primeiros meses deste ano, 3.008 motoristas foram notificados pelos órgãos de fiscalização do DF por transporte irregular. Com a Lei nº13.885/19, a pena para este tipo de infração ará a ser considerada gravíssima. Ou seja, a multa pula dos atuais R$ 195,23 para cinco vezes R$ 293,47, totalizando R$ 1.467,35, além do veículo ser removido ao depósito e registrados sete pontos no prontuário do condutor.