Saúde, educação, moradia, mobilidade: para onde caminha a capital?
Especialistas em várias áreas mostram preocupação com políticas pensadas para o futuro de Brasília, consideradas frágeis. Veja repercussão
atualizado
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Brasília apaga mais uma velinha neste domingo (21/04/19) ao completar 59 anos. Primeira cidade moderna a ingressar no seleto grupo daquelas com título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco, ainda é capaz de despertar encanto no turista por sua arquitetura imponente e singular. Ao mirar o olhar para além dos tradicionais pontos turísticos, um grupo de estudiosos mostra-se pessimista em relação ao futuro da capital da República e de seus 2,8 milhões habitantes.
Para onde vamos? A fim de responder tal pergunta, o Metrópoles entrevistou dezenas de especialistas nas áreas mais sensíveis e indispensáveis ao pleno desenvolvimento de uma grande cidade.
Um dos mais antigos problemas do Distrito Federal, a ocupação irregular de terras públicas traz a reboque complicações que afetam diretamente a qualidade de vida. Para o especialista em patologia e engenheiro da Universidade de Brasília (UnB) Dickran Berberian, o governador Ibaneis Rocha (MDB) tem “a responsabilidade de salvar o DF”.
No entendimento do docente, a capital não a tantas construções clandestinas. “A cidade não aguenta mais esperar. aram-se muitos anos destruindo um território projetado para se viver de maneira saudável por pelo menos 100 anos. Não bastasse o próprio governo liberando obras em áreas verdes, há aqueles que se apossam criminosamente de glebas e, na maioria das vezes, nada acontece. Isso precisa mudar”, critica.
O apontamento de Berberian pode ser verificado diariamente. Não é preciso ir muito longe para encontrar barracos, casas e empreendimentos comerciais erguidos sem autorização do poder público.
A cerca de 35 quilômetros do Congresso Nacional, no meio de árvores nativas do Cerrado, está a Mesa JK, estrutura de cimento usada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek para reuniões em momentos de privacidade e descontração na época da construção da cidade. Localizadas na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) da Granja do Ipê, as riquezas histórica e ambiental da região têm sido ameaçadas pela cobiça de grileiros.
Pelo alto, é possível observar a construção de casas que colocam em risco importantes cursos d’água, como o Córrego Capão Preto, que a sob a Mesa de JK. Ele desemboca no Córrego Ipê Coqueiro, que, por sua vez, deságua no Córrego Riacho Fundo, sendo este o último afluente do Lago Paranoá.
Bem mais perto da Esplanada dos Ministérios, em Vicente Pires, estruturas de até seis andares sem qualquer tipo de anuência parecem debochar das autoridades locais. Uma delas, inclusive, segue a todo vapor a menos de 400 metros da istração Regional.
Criação de 10 novos bairros
Mas não são apenas os criminosos que tiram o sono daqueles que desaprovam o crescimento desordenado da cidade. O próprio Conselho de Planejamento Territorial e Urbano (Conplan), responsável por acompanhar e aprovar as políticas da área, liberou nos últimos anos a construção de mais 10 bairros no território do DF.
Um desses empreendimentos privados, batizado de Urbitá, fica nas terras da antiga Fazenda Paranoazinho – uma área de 1,6 mil hectares que engloba condomínios e terras vazias – e pode abrigar até 118 mil pessoas.
A gleba pertence à Urbanizadora Paranoazinho S.A. (UP). Em 2007, a empresa comprou o terreno e, desde então, trabalha para regularizar os 54 condomínios erguidos no local.
No entendimento do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Cláudio Queiroz, “é inconcebível adensar ainda mais o DF antes de pensar soluções para aumentar fornecimento de água potável e melhorar a mobilidade urbana.
“Pensar o Plano Piloto como Patrimônio Cultural da Humanidade e descuidar do que está à sua volta é contribuir para o surgimento de infraestruturas malfeitas e malcuidadas. A cidade precisa ser pensada como uma máquina de fotografar, um edifício, um carro, que precisam de manutenção para prestar bons serviços. Inchá-la ainda mais não é, de forma alguma, a solução mais adequada”, pondera.

“Andando para trás”
No campo da mobilidade, estudiosos também são céticos quando o assunto é vislumbrar evolução. Com 1,7 milhão de veículos registrados — 600 mil a mais do que há duas décadas —, eles entendem que quase todas as medidas adotadas recentemente para o setor foram voltadas no sentido de dar mais fluidez aos automóveis.
“Os detentores do poder e das leis têm de compreender que Brasília precisa parar de ser planejada para o veículo e ser idealizada para as pessoas. Brasília é uma das cidades onde o automóvel é mais utilizado no país: aqui, 42% da população usam o carro como meio de transporte, enquanto em outras capitais esse índice é de 22%, 23%. Em vez de estimular isso, é preciso que o transporte público ocupe as vias, porque isso seria corrigir uma dívida histórica com a mobilidade de uma cidade planejada”, argumenta o diretor do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte (MDT), Nazareno Stanislau Affonso.
O especialista reconhece ter havido evolução em algumas questões, como a expansão da malha cicloviária, porém critica a falta de integração delas. “É importante abrir espaço para as bicicletas, mas é preciso que as ciclovias sejam pensadas como parte do modelo de mobilidade: ligando ao metrô, a parques, a terminais rodoviários. Não pode simplesmente a pista acabar do nada”, pontua.

Modelo errado na Saúde
Na Saúde, também sobram críticas e ceticismo em relação às políticas públicas vigentes. No entendimento de Roberto Bittencourt, médico e professor doutor da Escola de Medicina e Saúde da Universidade Católica de Brasília (UCB), Ibaneis dá continuidade ao maior erro do mandato de Rodrigo Rollemberg (PSB): o modelo de gestão.
“Ibaneis apostou todas as fichas na Saúde em separar a gestão de dois hospitais [Base e Santa Maria] e das UPAs. Com isso, ele criou uma ilha da fantasia e isolou o resto da rede. Em vez de perder tempo com esse modelo que se mostra burro, a saúde deveria começar a ser analisada a partir da resolução dos grandes problemas, como assistência ao câncer, superlotação das emergências e foco na atenção primária”, destaca.
Ao demonizar o atual formato, o docente refere-se ao projeto do Executivo local aprovado pela Câmara Legislativa (CLDF), em 24 de janeiro, que ou a istração dos hospitais de Base e de Santa Maria, além de seis Unidades de Pronto Atendimento para o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF).
Em março deste ano, a reportagem do Metrópoles percorreu, durante a madrugada, unidades de Saúde de sete lugares para mostrar o drama de pacientes que aguardam até 10 horas por atendimento.
Em todos os locais, o cenário era de cadeiras praticamente vazias. Tudo isso porque as unidades visitadas estavam operando no limite, com todos os leitos ocupados e pacientes internados na sala de medicação.
A Secretaria de Saúde itiu a demora no atendimento e justificou que o atual governo recebeu a pasta em situação de caos. “Foi decretado estado de emergência em saúde, o que possibilita realizar ações para reabastecimento da rede e contratação de pessoal de forma mais célere”, informou a pasta.
Já o Iges-DF disse, em nota, que a interpretação do docente é errônea. “Quem diz que a ampliação do modelo do Iges-DF é o mote da istração Ibaneis, está completamente equivocado. O verdadeiro mote é fortalecer a prevenção, fortalecer a atenção básica, compor e reestruturar essas equipes de saúde da família, suprir esse vazio assistencial existente hoje no DF e trabalhar. Trabalhar fortemente, para a expansão das unidades de saúde da família, mas com equipes completas”.

Polícia comunitária
As cotidianas cenas de violência no DF expõem o fiasco das forças de segurança pública no combate à criminalidade. O mestre em políticas públicas e especialista em segurança do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) Júlio Hott acredita que o atual governo até tem boa intenção em melhorar as estruturas das corporações, mas esbarra em fatos alheios à sua vontade.
“Há dificuldades enormes de se organizar políticas públicas para as forças de segurança do DF porque a estrutura policial brasiliense só pode ser mudada por iniciativa da União”, frisou.
Enquanto não há no horizonte sinais de que tal modelo possa ser alterado, o docente sugere medidas pontuais e consideradas por ele eficientes a fim de proporcionar tranquilidade à população. “Primeiramente, é preciso pulso firme para colocar um ponto final na rivalidade entre as polícias Civil e Militar”, ressalta.
Outra medida indispensável na visão do especialista é implementar a política de policiamento comunitário, principalmente nas satélites. “Se possível, que seja feito com os mesmos policiais fazendo o patrulhamento das mesmas quadras.”
Ao Metrópoles, o governador Ibaneis Rocha diz ter trabalhado diuturnamente para entregar uma cidade do que encontrou ao assumir as chaves do Palácio do Buriti em 1º de janeiro deste ano: “Sem dúvidas, Brasília tem mais futuro que ado. É uma nova era. Trabalho todos os dias para encaminhar um futuro melhor. Eu sonho com isso”, diz.
Outro lado
Em nota, o GDF frisa que, mesmo com pouco mais de três meses, a atual gestão fez “várias revoluções voltadas a resolver problemas de três ou quatro décadas”. O texto cita a retomada das obras da Barragem de Corumbá IV, ação que, conforme destacou, garantirá “abastecimento para o futuro próximo”.
O GDF ainda ressalta que “todas as ocupações recentes têm sido retiradas, como aconteceu na Flona e na Estrutural”. “A Agefis está sendo reformulada, mas o futuro DF Legal usará critérios rígidos no combate à grilagem, podendo contar com o auxílio de uma delegacia especializada na questão, que será criada no âmbito da Secretaria de Segurança”, salienta o texto.
De acordo com o Palácio do Buriti, no campo da Segurança Pública haverá um esforço de recompor o efetivo da PCDF e da PMDF. “Vai depender do entendimento sobre o uso do Fundo Constitucional, que tem sido utilizado para pagar também os inativos. É uma negociação que já começou com o governo federal, inclusive para garantir o reajuste das polícias Civil e Militar”.
Por fim, a assessoria de comunicação de Ibaneis Rocha reforçou que a criação da Região Metropolitana do DF “facilitará políticas públicas de alcance interestadual, eliminando uma série de entraves burocráticos que hoje limitam o atendimento da população do Entorno, tanto na questão do transporte público, na realização de obras de infraestrutura, quanto no atendimento de saúde”.