MP vai investigar queima de arquivo antes de operação na Câmara
Promotores que apuram denúncias sobre um suposto esquema de cobrança de propina pela Mesa Diretora vão solicitar imagens do circuito interno da Casa para saber se computadores e documentos foram retirados. Joias e dinheiro foram apreendidos
atualizado
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A força-tarefa criada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para investigar denúncias sobre um suposto esquema de cobrança de propina na Câmara Legislativa, envolvendo integrantes da Mesa Diretora da Casa, apura se houve a retirada de computadores e documentos da sede do Legislativo local dias antes da operação deflagrada nesta terça-feira (23/8). O anúncio foi feito nesta tarde pelo promotor de Justiça Clayton Germano. Durante a ação, realizada também na casa de parlamentares, servidores e ex-servidores, foram apreendidos R$ 16 mil, além de joias.
O promotor Clayton Germano destacou que a investigação teve uma peculiaridade: “Ela veio a conhecimento público antes do que julgávamos oportuno. O princípio da investigação é a oportunidade. A fase ostensiva teve que se dar pela divulgação dos dados pela imprensa. Exigiu tomada de decisões.” Ele explicou que a operação foi batizada de Drácon porque draconiana é sinônimo de desumano e”retirar recursos da saúde é extremamente desumano”.
Machado, por sua vez, explicou que a medida de afastamento dos distritais é preventiva até para que a Mesa possa seguir o processo legislativo de forma correta e sem intervenções indevidas. “Se algum outro fato ocorrer, tomaremos outras medidas”, ressaltou, em relação a uma eventual suspensão de mandato.
Retirada
O deputado Chico Vigilante (PT) afirma ter sido procurado por um servidor da Câmara que fez uma denúncia grave. Segundo o homem, que não teve a identidade revelada, um dos assessores de Celina teria sido visto colocando computadores no porta-malas de um carro particular estacionado na garagem da Casa, por volta das 14h de segunda (22).
De acordo com o distrital, os investigadores precisam solicitar as imagens o quanto antes. Esse servidor, segundo o parlamentar, seria Sandro de Morais Vieira, funcionário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), braço direito de Celina Leão.
Assessor de Regularização de Trabalhos Legislativos lotado no gabinete da presidente afastada, Vieira divulgou nota na qual nega que tivesse retirado itens da Casa. Ele disse que “não retirou computadores ou qualquer outra prova da CLDF; que procurou voluntariamente o Ministério Público, na pessoa do promotor Jairo Bisol, a fim de prestar esclarecimentos; e que foi colocado à disposição do MPDFT o inventário patrimonial da presidência, da assessoria e do gabinete parlamentar, onde consta a relação de computadores. Ainda segundo o servidor, “as imagens internas da CLDF entregues à PCDF comprovam que não houve retiradas de computadores”.
Caixa de Pandora
Questionado sobre se havia semelhança entre a Operação Drácon, como foi batizada, e a Caixa de Pandora, que revelou um esquema de corrupção entre o governo de José Roberto Arruda e os deputados distritais, com pagamento de mesada aos parlamentares, o promotor Clayton explicou que o modelo “está se repetindo agora”. “Não dá pra dizer que é a mesma coisa, mas é algo que se repete e tem que ser combatido”, destacou.
Os promotores explicaram que embora houvesse mandados de condução coercitiva, os distritais foram depor espontaneamente. O conteúdo dos depoimentos, entretanto, não será revelado ainda, de acordo com eles, para não atrapalhar as investigações.
Operação
Equipes da Polícia Civil cumpriram, na manhã desta terça, 14 mandados de busca e apreensão e oito de condução coercitiva (quando a pessoa é obrigada a depor) na Câmara Legislativa e na residência de parlamentares, servidores e ex-servidores. A operação, deflagrada pelo MPDFT, ocorreu uma semana depois de os áudios feitos pela deputada Liliane Roriz (PTB) sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo parlamentares serem divulgados.
O alvo da ação é a Mesa Diretora, composta por cinco parlamentares: Celina Leão (PPS), presidente; Raimundo Ribeiro (PPS), 1º secretário; Julio Cesar (PRB), 2º secretário; e Bispo Renato Andrade (PR), 3º secretário. Os mandados foram expedidos pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), que também determinou o afastamento cautelar da Mesa Diretora, mantendo, porém, o exercício das funções parlamentares.
A operação, batizada de Drácon, foi liderada pela Procuradoria-Geral do MPDFT e contou com a participação de pelo menos 10 promotores. O pedido de afastamento cautelar da Mesa Diretora foi assinado pelo desembargador Humberto Ulhoa.

Além dos integrantes da Mesa, foram alvos da operação o servidor Alexandre Braga Cerqueira, apontado como o operador do esquema de propina; o ex-secretário-geral da Casa Valério Neves Campos; e o ex-presidente do Fundo de Saúde Ricardo Cardoso dos Santos. O deputado Cristiano Araújo (PSD), que não integra a Mesa, mas está envolvido nas denúncias, também está sendo investigado.
Por volta das 8h30, os distritais envolvidos começaram a chegar na Decap para depor. Celina Leão foi uma das primeiras a se apresentar. Cerca de três horas depois eles começaram a sair. Após quase três horas de depoimento, os distritais saíram em comboio, em carros com vidros escuros, sem dar explicações ao batalhão de jornalistas que os aguardava na porta da delegacia.
Representando os distritais, o advogado José Francisco Fischenger disse que os parlamentares compareceram à delegacia por espontânea vontade e que não foi preciso usar o mandado de condução coercitiva: “Pedimos a compreensão da promotora que acompanhou o depoimento porque estamos dispostos a ajudar, mas é preciso termos ciência do teor da investigação.”
Já o advogado de Alexandre Cerqueira, Marcelo Moura, destacou que “a ação me surpreendeu porque tínhamos um acordo com o promotor (Jairo Bisol) de que ele compareceria hoje ao MPDFT, mesmo sem intimação”.
Entenda o caso
Liliane teria começado a grampear os colegas no fim do ano ado, quando os parlamentares decidiam sobre o que fazer com uma sobra orçamentária da Casa. Em um primeiro momento, os recursos seriam destinados ao GDF para custear reformas nas escolas públicas. De última hora, no entanto, o texto do projeto de lei foi modificado e o dinheiro – R$ 30 milhões de um total de R$ 31 milhões – realocado para a Saúde. O valor foi destinado ao pagamento de serviços vencidos em UTIs da rede pública.
Na ocasião, Liliane teria questionado a presidente da Câmara sobre a mudança na votação. No áudio, é possível ouvir Celina Leão falando que o “projeto” seria para um “cara” que ajudaria os deputados. A presidente da Casa disse ainda que Liliane não ficaria de fora: “Você (Liliane) tá no projeto, entendeu? Você tá no projeto. Já mandei o Valério (ex-secretário-geral) falar com você.”
Outros parlamentares
As denúncias feitas por Liliane atingem outros distritais, como o Bispo Renato Andrade e Julio César, líder do governo na Casa. Segundo é possível ouvir nas gravações, os dois teriam tentado fazer uma negociação com Afonso Assad, presidente da Associação Brasiliense de Construtores. De acordo com o que Valério Neves diz em um dos áudios, o empresário poderia intermediar contratos com a Secretaria de Educação. Mas Assad não teria levado a cabo o “compromisso”. “O Afonso disse que não poderia garantir nada”, diz Valério Neves em um dos trechos.
Com a negativa do empresário de participar do tal “compromisso”, segundo explica Valério nos áudios, o deputado Cristiano Araújo teria conseguido o “negócio” das UTIs. Ao dizer o quanto os “hospitais iam retornar”, Valério sussurra que seria “em torno de 7%”. E diz ainda que todos os integrantes da Mesa Diretora tinham conhecimento do acordo. Celina, por sua vez, diz que se fosse para eles receberem algum tipo de ajuda, teria de ser para todos. Integram a Mesa Diretora Celina, Raimundo Ribeiro, Júlio César e Bispo Renato.
“Houve crime”
O promotor de Justiça e Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Jairo Bisol, que está à frente do caso,antecipou ao Metrópoles, semana ada, que já estava convencido de que “houve crime”.
De acordo com ele, só faltava definir a participação de cada um no “negócio”, termo utilizado por Valério Neves, nos áudios, para definir a mudança de destinação de sobras orçamentárias do Legislativo para a área de saúde.