Três anos após invadir a Ucrânia, Putin conta com o tchutchuca Trump
Três anos depois da invasão Putin ou a contar com um aliado no Ocidente, com um traidor do direito internacional: Donald Trump
atualizado
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Há três anos, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, avançando também sobre a capital, Kiev. Queria riscar o país do mapa, anexando-o como se fosse território russo de direito, no seu desvario extemporâneo de ressuscitar a União Soviética.
Vladimir Putin falhou miseravelmente. O exército russo ocupa, hoje, cerca de 20% do território ucraniano, mas ao custo de perdas pesadíssimas de soldados e de equipamentos. Ao contrário do que o carniceiro do Kremlin imaginava, os ucranianos se mostraram unidos, valentes, inteligentes e com capacidade de resistência não menos do que épica.
Se o Ocidente tivesse fornecido mais armas de ataque à Ucrânia, sem dobrar-se à chantagem nuclear de Vladimir Putin, a Rússia teria recuado e, muito possivelmente, o carniceiro do Kremlin estaria sob ameaça de ser derrubado internamente, porque a sua máquina de propaganda não seria mais suficiente para esconder o tamanho do desastre bélico a que ele submeteu o país.
Três anos depois da invasão, contudo, Vladimir Putin ou a contar com um aliado no Ocidente, com um traidor do direito internacional, com um louco megalômano como ele próprio, com um tchutchuca: o presidente dos Estados Unidos da América.
Donald Trump, que se elegeu prometendo acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas, comprou a narrativa tão falsa quanto insana do carniceiro russo, segundo a qual foi a Ucrânia a iniciar a guerra, porque estava para aderir à Otan, a aliança militar ocidental.
Vou repetir, aqui, o que já escrevi em outra encarnação:
“De onde saiu o pretexto de Vladimir Putin para invadir a Ucrânia, o de que ela poderia associar-se à Otan e servir de trampolim a uma agressão contra a Rússia? Ele foi consequência direta da anexação da Crimeia e das provocações russas na região separatista de Donbass.
Em 2010, dois anos depois de tentar ingressar na Otan, juntamente com a Geórgia, que acabou invadida logo depois de ter o o negado pela Otan, a Ucrânia incluiu na sua Constituição uma cláusula de neutralidade militar, formalizando por lei o tratado assinado com os russos na sua independência, em 1991 — independência conquistada em troca da devolução à Rússia do arsenal nuclear soviético instalado no seu território e do compromisso de Moscou de respeitar as fronteiras ucranianas.
Essa neutralidade só foi deixada de lado em 2019, justamente por causa das agressões russas em 2014 e a crescente ameaça de Moscou de invadir novamente o país, como de fato viria a ocorrer em 2022. Naquele ano, os ucranianos incluíram na sua lei maior um artigo que previa o ingresso na Otan, mas nunca contaram, para tanto, com o apoio da França e da Alemanha, que não queriam provocar Vladimir Putin e, no caso dos alemães, dependiam do gás russo para movimentar a sua economia.
A Polônia e os países bálticos é que pressionavam pela entrada do vizinho, sem ter, contudo, força política para fazer valer a sua vontade. Como diz a cientista política sa Françoise Goujon, especialista em Ucrânia e Belarus, ‘a ameaça russa no leste da Ucrânia é feita precisamente para afastar os ocidentais, ao o que reforça as elites ucranianas no mérito do seu pedido de proteção às organizações euro-atlânticas’.
Em resumo, a neutralidade da Ucrânia já existia antes de Vladimir Putin anexar a Crimeia, começar a fazer as suas lambanças em Donbass, desrespeitar o Tratado de Minsk e invadir o país. Mesmo depois de 2019, a possibilidade de os ucranianos integrarem a Otan encontrou empecilhos na aliança militar ocidental, inclusive porque, para além das oposições de França, Alemanha e também Estados Unidos, o país enfrenta conflitos territoriais, o que inviabiliza a sua issão pelas próprias normas da Otan, que proíbem a entrada na aliança militar de um país que esteja em guerra.
O que o ditador russo sempre quis mesmo era tomar a Ucrânia, no seu devaneio de refazer as fronteiras do império soviético. Quando ordenou a invasão, ele simplesmente achou que poderia abolir a existência de uma inteira nação. Mas ele se deparou com a resistência heróica dos ucranianos, que não lhe estenderam um tapete vermelho, ao contrário do que ele delirantemente esperava, e com a incompetência do próprio exército.”
Para um acordo de paz, os ucranianos precisam ter a garantia mínima de que a Rússia não voltará a atacá-los. Precisam contar com tropas estrangeiras estacionados no seu território que inibam qualquer agressão de Vladimir Putin. Mas o carniceiro do Kremlin não quer nada disso, porque só quer tomar fôlego para voltar a atacar a Ucrânia, e não só. O sonho imperialista de Vladimir Putin inclui anexar os países bálticos, a Polônia, a Romênia, a Moldávia, a Geórgia. E ele conta, agora, com um aliado na Casa Branca, que não entendeu nada do que está acontecendo e ainda quer cobrar da Ucrânia, na forma de confisco de riquezas minerais, a ajuda militar que os Estados Unidos lhe deram, como se os ucranianos estivessem defendendo apenas si próprios, e ilegitimamente, não o inteiro Ocidente, naquele que é o prefácio da Terceira Guerra Mundial. Vergonhoso.
Donald Trump está implodindo o sistema de alianças que permitiu aos Estados Unidos e à Europa enfrentar as ameaças externas à democracia liberal. Em 2018, Henry Kissinger disse ao Financial Times: “Acho que Trump talvez seja uma dessas figuras da história que aparecem de vez em quando para marcar o fim de uma era e forçá-la a desistir de suas velhas pretensões. Isso não significa necessariamente que ele saiba disso ou que esteja considerando qualquer ótima alternativa. Pode ser apenas um acidente”. Esse acidente pode ser ferroviário.