Análise: por que mulheres de blazer e gravata ainda chamam atenção
Frequente nos últimos meses, a combinação tem um histórico consolidado na moda. Especialistas analisam os possíveis significados no presente
atualizado
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Quem acompanha as movimentações da moda viu que, em eventos e tapetes vermelhos dos últimos meses, os conjuntos de alfaiataria femininos ganharam evidência. Em alguns casos, com gravata e tudo. De Nicole Kidman a Ayo Edebiri, não faltam exemplos. O conceito não é novo, mas por que ainda chama atenção em 2025? A seguir, a coluna traz a análise de duas especialistas para entender o significado dos conjuntos femininos de alfaiataria na história da moda e as possíveis mensagens dessa movimentação no presente.
Vem com a gente analisar essa tendência:
- Pelo conforto ou para desafiar valores da época, a adoção das mulheres pela alfaiataria com códigos considerados tradicionalmente masculinos vem de meados do século 19. Mas, naquela época, ainda com saia, sem as calças.
- Na segunda metade do século 20, o estilista francês Yves Saint Laurent introduziu um smoking feminino, “Le Smoking”, em 1966, proporcionando uma roupa mais confortável e à altura de um evento de gala.
- Nos anos 1980, os blazers com ombreiras estruturadas ganharam espaço entre as mulheres, que aram a ocupar mais cargos de destaque em empresas e recorriam à alfaiataria considerada masculina para transmitir um ar de autoridade. Esse movimento ganhou o nome de “power dressing”.
- O recente uso de ternos (paletó, colete e calça), costumes (paletó e calça) e smokings (paletó com lapela acetinada, calça, camisa e gravata borboleta) por mulheres contribui para o questionamento das regras de vestimenta e separação por gênero, com questionamentos da moda binária também por parte dos homens. Alguns deles, optando por saias e vestidos.
- Nos exemplos recentes, nem sempre com gravatas, as celebridades complementam o visual de formas variadas, de scarpins a loafers de couro preto, ou mesmo sandálias de tiras finas. Na maioria dos casos, em cores neutras ou combinando com a calça.

Mudança de códigos
Por volta do século 19, como explica a historiadora de moda Maíra Zimmermann, algumas mulheres, como forma de resistência, começaram a vestir itens que, até então, eram s à indumentária masculina, como paletó, colete, gravata e camisa. Naquele momento, ainda sem as calças, essa movimentação já era considerada disruptiva no aspecto político-social, e veio a resultar no tailleur, o conjunto de blazer e saia.

“Muito dessa moda vem da Inglaterra e tem a ver com um tipo de roupa esportiva, mais prática, se pensarmos na equitação”, exemplifica Zimmermann, que coordena o curso de moda na FAAP. “Essas mulheres eram, muitas vezes, consideradas independentes. Era uma espécie de resistência não-verbal, porque as mulheres da classe alta tinham muitos códigos e um tipo de vestimenta muito restritiva ao corpo, se pensarmos em todas as camadas que constituem a moda feminina sa desse período, por exemplo.”

Possíveis significados
A consultora de branding e imagem política Deniza Gurgel explica que o ato de se vestir, naturalmente, comunica algo. Sobretudo no caso das celebridades, que têm profissionais por trás da escolha dos looks – os stylists – e sabem que serão fotografadas ou até filmadas nos grandes eventos. Dessa forma, além de promoverem o próprio trabalho, têm a possibilidade de transmitir mensagens por meio da vestimenta.

“Se a moda feminina a deixa em um papel de fragilidade, a masculina faz o contraponto [quando usada por mulheres]: sou dona da minha vida, da minha carreira, do destino que escolhi”, explica. Quando uma mulher usa blazer, calça e gravata, devido à associação da combinação a cargos de poder em ambientes corporativos, transmite autoridade, na avaliação da especialista.
“Historicamente, temos o terno atrelado a esses ambientes, a grandes empresários, políticos poderosos. Na Revolução sa, quando os burgueses começaram a deter o poder e não queriam remeter àquela extravagância da realeza, veio uma roupa sóbria escura, com linhas retas”, observa.

O que pode estar por trás do “pico” recente?
Gurgel acredita que a tendência, como nos exemplos desde o fim de 2024, deve continuar, mas talvez sem a gravata. “Temos visto empresas voltarem com trabalho 100% presencial, o empreendedorismo ganhar relevância como um motor da economia. Na verdade, desde que o terno entrou no vestuário feminino, nunca saiu”, enfatiza. A consultora de imagem política observa que, mesmo não sendo uma novidade, a combinação continua a carregar imagem de autoridade.
Em contrapartida, será que as mulheres sempre precisam recorrer ao vestuário lido como masculino para demonstrar poder? “Temos visto uma terceira onda do feminismo, que defende que as mulheres se apropriem da feminilidade, e entender isso é muito poderoso. Quando começamos a ver esse movimento de recorrer ao vestuário masculino, cabe a reflexão, porque não é a primeira vez que isso acontece”, acrescenta.

Para a historiadora Maíra Zimmermann, pode haver uma intenção de destoar do código principal dos tapetes vermelhos para mulheres, o vestido. Mas o conforto, assim como no século 19, pode estar por trás das escolhas, que não são inéditas, mas continuam chamando atenção quando ocorrem. “O mais interessante é discutirmos essa pauta como uma novidade. Seguimos debatendo para entender quanto caminho ainda temos para construir essa relação de fluidez com os códigos de gênero nos eventos de gala”, indaga.
Veja mais exemplos recentes de famosas usando trajes completos de alfaiataria na galeria abaixo: