Como dono laranja de fazenda foi descoberto em acidente de carro
Registrado como único proprietário de fazenda com dívida milionária no Pará dirigia veículo da empresa em que trabalha, em Goiânia (GO)
atualizado
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Um acidente de carro na Avenida Independência, em Goiânia (GO), revelou um possível esquema de laranjas para ocultar patrimônio e blindar um empresário que deve milhões e é alvo de diversos processos judiciais.
No volante estava Carlos Roberto Alves Filho (foto em desatque). No papel, ele é dono da Fazenda Ribeirão Bonito, em Novo Repartimento, no Pará. Mas, ao relatar o acidente, no entanto, Carlos disse que era, na verdade, funcionário de uma empresa que fabrica embalagens.
Carlos disse que trafegava pela avenida quando “um veículo não identificado” o “fechou”. “Nisso, para não colidir na traseira dele, acionei o freio, o que não adiantou muito”, conta no Boletim de Ocorrência. “Então, joguei o carro para a direita, subindo na calçada, perdendo o controle e colidindo com um poste”, termina o relato.
O veículo era uma HB20, de propriedade da Piloto Embalagens. Carlos afirmou que dirigia o carro a trabalho. Depois, requereu o benefício de gratuidade judiciária por receber salário de apenas R$ 1.122,82.
O episódio ocorreu em 2020. Em 2024, oficiais de justiça foram em busca de Carlos na empresa e ouviram do supervisor de recursos humanos que ele era prestador de serviços da companhia. Ele também aparece vestindo uniforme da Piloto Embalagens e touca de proteção em foto postada nas redes sociais.
Recuperação judicial em segredo de Justiça
A Fazenda Ribeirão Bonito pediu recuperação judicial. Mas o processo que deveria ser público, com a convocação de credores e a publicação de atas, corre em segredo de justiça há mais de um ano. A situação excepcional não foi justificada.
O pouco que se sabe sobre a recuperação aponta para novas possíveis fraudes. Isso porque a dívida apontada foi de R$ 80 milhões com 15 credores, entre eles bancos e produtores rurais. Um deles, identificado como Elias Feitosa de Souza, credor de R$ 2,7 milhões, consta como beneficiário do Bolsa Família.
E ele não é o único. Valdimar Silva de Souza, que teria R$ 900 mil a receber da fazenda, recebeu auxílio emergencial. As informações sobre os benefícios constam no Portal da Transparência.
Quem é o dono?
A propriedade foi palco de um resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 2015, e, a partir daí a investigação apontou um complexo esquema de “laranjas”.
Após resgatarem os trabalhadores que viviam em um barracão pelo qual transitavam aranhas e morcegos, bebiam a mesma água dos cavalos e faziam as necessidades no mato, auditores e policiais federais saíram perguntando pelo dono da fazenda. A primeira pessoa apontada foi um funcionário da propriedade.
Depois, conforme registro da Polícia Federal, o contador Deusval de Barros Brito Filho reconheceu que o homem apontado era funcionário e recebia um salário mínimo. Nos autos também ficou registrado o nome de quem seria o verdadeiro dono: Guimar Alves.
No entanto, menos de um ano depois, o quadro social da fazenda foi alterado. Assumiu, em 2016, como dono, Carlos Roberto Alves Filho, que dirigia o carro da Piloto Embalagens no acidente na Avenida Independência, em 2020.
Por trás dos laranjas
O nome de quem estaria por trás dos laranjas é Guimar Alves. Ele responde a mais de uma dezena de processos por dívidas que chegam a R$ 87 milhões. Em nome dele, só há empresas antigas com registros cancelados. A Justiça, quando procura bens e contas bancárias para satisfazer dívidas, não encontra nada.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dois pesos pesados da indústria o acusam de realizar calotes milionários. Parte desses credores ainda afirma que ele comete essas fraudes para se esquivar de dívidas e manter o alto padrão de vida.
Segundo essas empresas, suas joias da coroa estão em nome de funcionários e parentes. As dívidas se arrastam por anos e, em meio a bloqueios frustrados, o empresário pede a prescrição das cobranças. O processo mais recente diz respeito a R$ 15 milhões.
Trata-se de uma ação da Polo Indústria, do ramo de material plástico, referente a uma dívida da Plasticom, uma das empresas do império de Guimar. A dívida de R$ 1,5 milhão, datada de 2005, não foi paga até hoje. Em 18 anos, o valor cresceu 10 vezes.