Tudo é quântico? Saiba o que significa o termo e a distorção do uso
Cientistas alertam que o termo “quântico” está sendo associado a terapias e práticas sem fundamento científico. Entenda o significado real
atualizado
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Nascido na investigação de partículas menores que o átomo, o termo “quântico” ganhou destaque nos últimos anos, principalmente em contextos longe da física. Em terapias, dietas e até na biografia de coachs, ele aparece para dar um ar de cientificidade a propostas muitas vezes sem respaldo algum, alertam cientistas que realmente trabalham com interações neste nível microscópico.
A descoberta da mecânica quântica celebra 100 anos em 2025 . Por isso a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou este como o Ano Internacional da Ciência e das Tecnologias Quânticas. Mas fica o alerta: ele não tem nada a ver com autoajuda.
Tudo agora é quântico?
O adjetivo deriva da física quântica, um ramo da ciência que trata do comportamento das partículas subatômicas como prótons e elétrons. Neste nível tão pequeno, as leis da física tradicional, como a gravidade e a inércia, não se aplicam.
A física quântica é um campo de estudo com conceitos complexos, difícil de entender até mesmo para os cientistas. Uma das características mais desconcertantes é que partículas podem se comportar simultaneamente como matéria e energia, além de conseguir estar em dois lugares ao mesmo tempo.
No nível quântico, por exemplo, a luz tem partículas que podem se comportar quase como sólidos.
De modo geral, os comportamentos da física quântica são tão complexos que parece irônico aos pesquisadores que muitos terapêutas tenham ado a usar o termo como se tivessem pleno domínio do conceito e ele fosse apenas um sinônimo para a teoria da atração: “deseje até conseguir”.
“A mecânica quântica em si lida com probabilidades e efeitos que fazem sentido, na maioria dos casos, apenas no mundo microscópico. Muitas das pessoas pegam essas ideias e conceitos e distorcem e esticam para encaixar nessa narrativa de autoajuda que não tem nada a ver com a mecânica quântica real”, aponta o físico Felipe Crasto de Lima, professor na Ilum Escola de Ciência e no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Usos reais da física quântica
A teoria da física quântica ajudou a fazer transformações extremamente úteis na ciência nos últimos anos, incluindo o funcionamento preciso de satélites e de máquinas de ressonância magnética.
“Na tecnologia, estima-se que a teoria quântica seja responsável por cerca de um terço do PIB dos países desenvolvidos, graças a invenções como os transistores nos computadores e o laser, usado em tudo, desde a comunicação até a medicina”, explica o físico Rafael Chaves, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
Para Chaves, é inegável que a física quântica é fascinante e misteriosa, mas é preciso ter cuidado com aplicações indevidas do conceito. “Criou-se a ideia errada de que, dependendo das ‘vibrações’ de uma pessoa, ou da maneira como ela observa e age nos eventos do cotidiano, pode influenciar o resultado de situações pessoais ou profissionais. Claro, manter uma atitude positiva é ótimo e pode trazer bons resultados, mas isso não tem nada a ver com a física quântica”, alerta.
O físico Marcelo Sousa, pesquisador de biologia quântica da Ciência Pioneira/IDOR, iniciativa de apoio à ciência do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, é mais incisivo em condenar o uso corriqueiro do termo quântico por influenciadores, já que o uso inadequado tem aproximado o termo do charlatanismo.
“A crença de que de alguma forma o pensamento é capaz de modificar a matéria — como a mecânica quântica tem sido simplificada — é extremamente perigosa. É muito soberbo achar que o universo vai modificar as suas probabilidades por conta do que o sujeito A ou B mentaliza”, ironiza Sousa.
Ciência quântica sem distorções
Essa popularização desenfreada faz com que o público, muitas vezes desinformado, acredite em curas e promessas que não têm nenhuma base na realidade científica. Para os pesquisadores, é essencial que a ciência seja tratada com o devido respeito.
Além disso, a distorção afeta a percepção do que é ciência legítima. Muitas vezes, os próprios cientistas enfrentam dificuldades em explicar conceitos quânticos para um público leigo, que já está saturado de informações equivocadas.
Isso pode criar uma barreira entre a comunidade científica e a sociedade, impedindo que novas descobertas e aplicações da teoria cheguem ao grande público de maneira adequada.
“O hype em torno do termo quântico pode ser uma oportunidade para aproximar o público leigo da ciência e aumentar a conscientização sobre os impactos científicos, tecnológicos, culturais, éticos e socioeconômicos que essa revolução quântica pode trazer no futuro próximo”, diz Chaves.
Essa aproximação, no entanto, só será possível se o uso do termo for limitado ao contexto adequado e se as distorções forem corrigidas com clareza.
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