STF julga denúncia contra núcleo que espalhou fake news de urnas
A Primeira Turma do STF analisa denúncia contra o núcleo 4. Grupo é composto por sete pessoas acusadas de organizar ações de desinformação
atualizado
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, às 9h51 desta terça-feira (6/5), se aceita denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado núcleo 4 de trama golpista que teria atuado em prol de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.
Durante a manhã, o ministro Alexandre de Moraes leu o relatório do caso. A PGR apontou que sete pessoas fizeram parte de um grupo que atentou contra o sistema eleitoral brasileiro. Há ainda nesse núcleo, militares que atuaram na Abin para disseminar informações falsas.
Por volta das 12h30, os ministros da Primeira Turma rejeitaram todas as preliminares, que pediam nulidades processuais apontadas pelas defesas. O julgamento prosseguirá, a partir das 14h30, com a análise acerca da issibilidade da denúncia.
Veja a sessão da manhã:
Veja quem faz parte do Núcleo 4:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros – major da reserva do Exército;
- Ângelo Martins Denicoli – major da reserva do Exército;
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha – engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal;
- Giancarlo Gomes Rodrigues – subtenente do Exército;
- Guilherme Marques de Almeida – tenente-coronel do Exército;
- Reginaldo Vieira de Abreu – coronel do Exército e
- Marcelo Araújo Bormevet – agente da Polícia Federal.
O ministro Alexandre de Moraes começou a ler o relatório às 9h53, com denúncia oferecida em relação ao núcleo de “Desinformação”. Ao citar a denúncia da PGR, ele afirmou que “os denunciados também encadearam ações para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”.
A subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, que representa o procurador-geral da República, Paulo Gonet, falou logo em seguida. “Todos (os denunciados) agiram em comunhão de esforços com os integrantes dos núcleos 1, 2 e 3, para, sob grave ameaça, manter-se no poder”, afirmou.
Cláudia citou as reiteradas tentativas de atacar as urnas e o sistema eleitoral com o objetivo de anular votos e manter Jair Bolsonaro no poder. Ela mencionou a representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificação das urnas, que “tinha por objetivo obter anulação dos votos com dúvidas fabricadas antes de 2020”.
Ressaltou, ainda, que foi apresentado um relatório “fabricado”, com “dados falsos” para atacar as urnas.
Segundo Cláudia, trata-se de uma estrutura de poder com divisão de tarefas, comandos e diversas atividades desmembradas entre o grupo. “Toda estrutura necessária para uma organização criminosa. Todos agiram para que houvesse um golpe de estado. Não há como dizer que houve um excesso acusatório”, destacou.
Defesa dos denunciados
Em seguida, começaram as sustentações orais por parte das defesas dos denunciados. Érica Hatmann, advogada de Ailton Barros, deu início aos argumentos das defesas, seguida pelo advogado Zoser Plata Bondim Hardman de Araújo, que representa o major do Exército Ângelo Denicoli.
O defensor criticou a atuação da PGR por denunciar o oficial sob acusação de integrar uma organização criminosa, apesar de ele não ter produzido nenhum documento relacionado a uma tentativa de golpe. Segundo ele, a PGR tem adotado um tratamento “diferenciado” entre personagens que se encontram na mesma situação, como o influenciador argentino Eder Balbino, que foi indiciado, mas não denunciado por Paulo Gonet.
“Colocá-lo em um contexto de participação em organização criminosa voltada à disseminação de desinformação exigiria, no mínimo, que ele tivesse produzido algum material nesse sentido — o que não consta no processo”, argumentou Plata. “Não se pode tratar de forma diferente pessoas que estão na mesma situação fática.”
O advogado Melillo Dinis do Nascimento explicou que o engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, contribuiu para a elaboração do sistema da urna eletrônica, salientando que o próprio garante que as urnas eletrônicas são seguras, mas salientou que foi contratado pelo Partido Liberal (PL).
“É muito difícil um pai atacar o filho. É até possível, mas, dentro da lógica da construção do conhecimento da urna eletrônica brasileira e todo sistema, o engenheiro Carlos Rocha sempre teve um papel destacado, dialogando com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando o tema foi a decisão de se fazer a impressão do voto. Ele contribuiu, inclusive, com essa produção de um sistema eletrônica, porque o engenheiro tem uma longa tradição no tema da urna eletrônica, contribuindo com o desenvolvimento”, explicou.
Melillo citou que a contratação do engenheiro junto ao PL era para colaborar e contribuir com relatórios. Segundo ele, os documentos foram entregues de forma confidencial e que em momento algum foi discutido o tema ao qual ele é denunciado pela PGR.
A defesa do subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues argumentou que a denúncia da PGR não deixa claro qual teria sido o papel do oficial no suposto esquema para manter Jair Bolsonaro no poder. Segundo a advogada Juliana Rodrigues Malafaia, há lacunas na peça acusatória, principalmente quanto ao vínculo de Giancarlo com os 14 já réus no processo e à interação entre os quatro núcleos descritos pela PGR. De acordo com ela, o único elo apresentado seria a suposta participação de Giancarlo em uma “Abin paralela”.
“Para encaixar Giancarlo dentro da organização criminosa, a única alegação é de que o denunciado havia sido cedido à Abin, com a finalidade de integrar uma estrutura paralela de contrainteligência para atender demandas não republicanas de Alexandre Ramagem com o uso da ferramenta FirstMile. É dizer: a acusação quer tentar fazer crer que Giancarlo teria sido pinçado e colocado estrategicamente naquele cargo para fazer uso daquela ferramenta que, até então, entendia ser legal, a pedido de Ramagem. É essa a acusação”, afirmou.
A defensora também destacou que Giancarlo ingressou na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer e que nunca teve contato direto com Alexandre Ramagem.
No fim da sustentação, a ministra Cármen Lúcia pediu a palavra e questionou a advogada sobre uma afirmação feita durante a sustentação dela de que a Abin “já investiga as urnas desde 2020”. A ministra perguntou o que significava exatamente o termo “investigava”. A advogada acabou respondendo que “não sabia”, mas afirmou que as informações estão anexadas nos autos do processo.
O advogado Leonardo Coelho Avelar, defensor do tenente-coronel do Exército Guilherme Marques de Almeida, alegou que o oficial “jamais poderia alcançar um número significativo de pessoas” com as mensagens encontradas em seu celular pelos investigadores da Polícia Federal (PF), nas quais ele dizia que “não adianta protestar na frente do QG do Exército”, sendo necessário “ir para o Congresso”.
“Ele apenas exerceu seu direito de expressar uma opinião particular, garantido constitucionalmente. Ademais, as mensagens foram enviadas por meio do sistema de cópia e cola, e o encaminhamento foi uma decisão única e exclusivamente pessoal. Não houve qualquer determinação institucional para que Guilherme realizasse esse envio”, explicou.
O defensor Hassan Magid de Castro Souki representou Marcelo Bormevet. O advogado Thiago Ferreira da Silva defendeu o denunciado Reginaldo Vieira de Abreu.
Projeto de golpe
A PGR imputa aos acusados do Núcleo 4 a prática de ataques virtuais a instituições e autoridades. Militares, integrante da Polícia Federal e presidente do Instituto Voto Legal teriam atuado ainda, segundo investigações, para pressionar as Forças Armadas a aderirem ao projeto de golpe.
Na quarta (7/5), se necessário, o julgamento será retomado, a partir das 9h30. Os responsáveis pela análise serão os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Como é o julgamento
A dinâmica para o julgamento é a mesma dos anteriores: o ministro Zanin, presidente do colegiado, abre o julgamento. Em seguida, Alexandre de Moraes, relator do caso, lê o relatório. Em seguida, fala o representante da Procuradoria-Geral da República. Como Paulo Gonet está em um evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Madri, a subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, o representará.
As defesas dos denunciados fazem as sustentações orais. Eles terão 15 minutos de fala cada, conforme a ordem definida por Zanin. Os ministros julgam as preliminares e partem para analisar se tornam réus dos denunciados pela PGR.
Se a Turma aceitar a denúncia da PGR, os acusados viram réus e am a responder a uma ação penal no STF. Em 18 de fevereiro, eles foram denunciados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O colegiado vai verificar se a denúncia atende aos requisitos legais, com a demonstração de fatos enquadrados como crimes e de indícios de que os denunciados foram os autores desses delitos. Ou seja, a Turma avaliará se a acusação trouxe elementos suficientes para a abertura de uma ação penal.
Réus
A Primeira Turma do STF, até o momento, tornou réus 14 acusados por supostamente estarem envolvidos na trama golpista para anular o resultado das eleições presidenciais de 2022, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os primeiros a virarem réus foram os integrantes do chamado “Núcleo 1”, conhecido por ser o “núcleo crucial” da tentativa de golpe. Esse grupo tem oito integrantes:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
No caso dos que foram incluídos no “Núcleo 2”, os seis reús são acusados de terem usado a máquina pública para dificultar o o de eleitores aos locais de votação no segundo turno das Eleições de 2022. São eles:
- Silvinei Vasques – ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na gestão de Jair Bolsonaro;
- Fernando de Sousa Oliveira – ex-secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública do DF;
- Filipe Garcia Martins Pereira – ex-assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência;
- Marcelo Costa Câmara – coronel do Exército e ex-assessor de Bolsonaro;
- Marília Ferreira de Alencar – delegada da Polícia Federal e ex-subsecretária de Segurança Pública da Distrito Federal; e
- Mário Fernandes – general da reserva do Exército e “kid preto”.