Ausência em debates traz “custo eleitoral grande”, dizem especialistas
Primeiro colocados nas pesquisas para presidente, Bolsonaro e Lula têm sinalizado a intenção de não ir a debates no primeiro turno
atualizado
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Esta pode ser a primeira eleição, desde 2006, em que os debates no primeiro turno não contarão com os candidatos líderes nas pesquisas para a Presidência. Na linha de frente, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resistem em marcar presença nas discussões entre candidatos.
A escolha de aparecer sob os holofotes dos debates oferece o risco de lançar luz aos erros de gestões anteriores e problemas do governo atual. Em meio aos demais candidatos, o postulante à reeleição pode virar um alvo em comum. A projeção da mídia, por outro lado, confere visibilidade aos presidenciáveis e funciona como uma espécie de termômetro para as propostas.
Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que a possibilidade dos dois nomes na liderança da disputa desistirem às vésperas das transmissões é significativa. Lula, por exemplo, não participou dos debates do 1º turno quando competia ao segundo mandato, em 2006, e Bolsonaro faltou a maior parte dos eventos, em 2018, por conta do atentado à faca que sofreu durante a campanha.
A estratégia é conhecida entre presidenciáveis que concorreram desde 1989. Foi assim com Fernando Collor, em 1989, Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e Lula, em 2006.
Em mais um recuo na série de idas e vindas, o presidente Jair Bolsonaro informou, na quarta-feira (24/8), que não deve participar de debates no primeiro turno. Representantes da campanha de Lula, por sua vez, condicionaram a presença do petista ao resultado da sabatina do Jornal Nacional, marcada para esta quinta-feira (25).
A escolha dos candidatos de perder um palco de grande visibilidade montado pela mídia é “um desperdício de audiência”, segundo a especialista em comunicação Célia Ladeira Mota, professora da Universidade de Brasília (UnB).
“A ausência ao debate não traz custos financeiros. Mas representa um custo eleitoral grande. Os candidatos que estão nas ruas pedindo votos ganham uma tribuna enorme na televisão. Como desperdiçar esta audiência? É o momento de exaltar a democracia, mostrar que o candidato respeita a liberdade de expressão”, frisa.
No caso específico do candidato do PT, o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), frisa que existe uma vantagem em termos de debate por conta da atual conjuntura. Na visão dele, normalmente não é favorável para o líder das pesquisas participar dos eventos, “mas este ano Lula é exceção”.
“Para Bolsonaro, pode não valer a pena, em termos de retórica. Para o Lula pode ser muito bom, pois se ele tiver um bom desempenho ainda pode puxar uns votos dos eleitores de Ciro Gomes”, comenta.
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Quem perde é o eleitor
O cenário digital também traz inovações quando se trata dos debates televisionados. Sérgio Praça pontua duas delas: a difusão de trechos das discussões via redes sociais, e a interação dos eleitores nas mídias como um “termômetro” para avaliar a receptividade das proposições eleitorais.
“Os momentos mais interessantes do debate, como uma eventual gafe ou uma proposta esquisita serão editados para aparecer no WhatsApp, para ressaltar conteúdos relevantes aos seguidores, simpatizantes e candidatos. Esses recortes podem ser muito interessantes do ponto de vista da democracia”, argumenta. Por outro lado, acendem mais um sinal de alerta para a divulgação de fake news.
O engajamento do eleitorado na internet pode ser proveitoso do ponto de vista das campanhas e pode ajudar a medir a receptividade das propostas.
“Discutir as ideias de governo publicamente também é uma forma de captar a popularidade delas. O presidenciável vai poder observar a repercussão disso nas redes sociais, nos portais, até no mercado financeiro. Isso é importante”, completa.
Apesar do custo, a participação dos candidatos na liderança das pesquisas é, além de benéfica para a democracia, um trunfo para presidenciáveis, segundo a doutora em ciência política e professora da UnB Marcela Machado.
“Valer a pena sempre vale. Mas tem que fazer o cálculo de custo/benefício, levando em conta as regras do debate e o cenário político no momento das discussões. Porém, o candidato não tem que fugir do debate com receio do que poderão perguntar a ele. O debate é benéfico para a democracia, e acredito que é isso que tem que estar em questão sempre”, argumenta.
Exercício democrático
O exercício de debates faz parte do processo democrático que compõe as eleições, contudo, não existe obrigação legal de comparecimento dos candidatos aos encontros prevista na Lei nº 9.504/97. Conhecida como Lei das Eleições, ela regulamenta a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, das discussões entre candidatos.
No atual cenário, em que existe dúvida quanto à presença dos dois presidenciáveis mais bem avaliados nas pesquisas eleitorais, cabe refletir sobre as experiências dos países vizinhos, segundo o advogado Juan Nogueira, especialista em direito eleitoral.
Por exemplo, a Justiça da Colômbia determinou, na recente eleição presidencial entre Gustavo Petro e Rodolfo Hernández, que fosse realizado ao menos um debate entre os dois. O argumento é de que seria não apenas um direito do candidato expor suas ideias, mas também um dever para com o conglomerado social.
“Como algumas personalidades políticas criticam a postura dos Tribunais no Brasil, a eventual obrigatoriedade de participação em debates por via judicial ganharia uma especial relevância”, pontua o especialista.