HÁ VINTE ANOS – O arraial do presidente da Câmara dos Deputados
O show do rei do baixo clero. Ele conta tudo!
atualizado
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Imperdível o discurso que Severino Cavalcanti (PP-PE), recém-eleito presidente da Câmara, acaba de fazer na praça central de João Alfredo, sua cidade-natal no interior de Pernambuco. Valeu a pena aturar 23 oradores antes dele.
Primeiro, Severino falou mal da imprensa. Disse a certa altura:
– Os intelectuais da imprensa – não os jornalistas de batente – reclamam porque vão ter que aguentar um homem como Severino em Roma, Paris e Nova York.
Em seguida, alfinetou:
– Não me envergonho das minhas origens. Teria vergonha se estivesse nas páginas policiais.
Nesse momento, o filho de Severino, José Maurício, candidato derrotado a prefeito de João Alfredo no ano ado, resmungou qualquer coisa ao lado dele. Foi alvo da primeira bronca pública da noite:
– Cala a boca, José Maurício, me deixa falar.
E desandou a falar coisas saborosas. Sobre o poder de um reles cartão apenas com seu nome e telefone:
– Eu sei o quanto vocês estão precisando daquele cartãozinho, daquele que eu dava quando era vice-presidente da Câmara, quando fui primeiro secretário. Agora, vocês terão o cartãozinho do presidente da Câmara.
A multidão rugiu.
Continuou Severino:
– Quem vive de plastificar cartãozinho vai ganhar muito dinheiro, porque eu vou distribuir muito cartão. Me digam: eu dou ou não dou cartão pra vocês?
O povo, em coro, respondeu:
– Dá, dá, dá…
E Severino retribuiu:
– Não vou cansar de dar cartão para vocês poderem dizer que são meus conterrâneos e amigos.
O presidente da Câmara ensinou, então, como tirar vantagem dos cartões que manda para seus eleitores. Contou a primeira história:
– Um dia, um filho daqui saiu de carro e foi preso na estrada. Ele disse para o soldado: “Eu sou amigo do primeiro secretário da Câmara.” O soldado respondeu: “Conversa fiada.” Aí, o moço ligou para o meu telefone. Eu atendi e ele ou para o policial. Aí o policial disse:
– Deputado, tem um doido aqui que diz que é seu amigo.
Eu perguntei: “De onde ele é?” E o policial: “É de João Alfredo.” Então é meu amigo, respondi.
O policial não se conformou e retrucou: “Mas ele não está muito certo, não.”
– Aí eu expliquei: mas pode soltar assim mesmo. Depois ele regulariza a situação.
Do lado direito de Severino, a filha Ana Cavalcanti, deputada estadual pelo PP, puxou a manga da camisa do pai. E levou dele a segunda bronca pública da noite:
– O que é? Eu não posso contar o que eu quero?
Novamente, a multidão delirou. E Severino tomou gosto:
– Vou contar outra história. Um morador de Ribeiro Grande, um sítio aqui perto, um dia bebeu muito e quebrou o bar inteiro. Ele tinha meu telefone. Deu o número para o dono do bar, que me ligou e disse:
– Deputado, tem um cara de João Alfredo aqui que diz que é seu amigo…
– Aí eu perguntei: e que foi que ele fez?
O dono do bar respondeu: “Quebrou tudo, tudo mesmo… Um prejuízo de 300 ou 400 reais.”
– Aí eu falei: vou pagar a carraspana dele. E ele nunca mais vai beber. No dia seguinte, mandei o dinheiro.
Severino acabou seu discurso fazendo uma homenagem às mulheres. Qualificou Amélia, sua mulher, como “a mais braba das mulheres que eu já conheci. Mas ela é braba assim porque conhece meus defeitos.”
E deu mais uma bronca em Ana, a filha, que reclamou do seu longo discurso:
– Não adianta me cutucar.
(Publicado aqui em 5 de março de 2005)